O Brasil está envelhecendo a passos largos. Em menos de 10 anos, teremos mais idosos do que crianças. A chamada “revolução prateada” está em curso. Mas a pergunta que precisa ser feita com urgência não é quantos idosos teremos e sim que tipo de idosos está se formando?
O idoso de 2030 já existe. Ele tem hoje entre 40 e 55 anos. Ele é o adulto que já toma omeprazol há anos, sem acompanhamento. Que começou um antidepressivo sem nunca revisar sua real necessidade. Que usa hipoglicemiante oral, mas não entende o impacto na sua alimentação. Que convive com hipertensão, ansiedade, refluxo e insônia — e tem um medicamento para cada sintoma, mas nenhum plano de cuidado integrado.
Esse é o perfil predominante no balcão das farmácias, nos consultórios e nas UBSs do país.
O modelo atual está adoecendo silenciosamente, pois a prescrição virou resposta imediata para qualquer queixa. Mas estamos tratando o sintoma e abandonando a causa. Mais que isso: estamos criando uma geração de pacientes polimedicados e funcionalmente comprometidos.
Dados que preocupam: segundo o IBGE (2019), 75% dos idosos brasileiros usam 5 ou mais medicamentos de forma contínua; o Ministério da Saúde reconhece que até 10% das internações hospitalares em idosos estão associadas a reações adversas a medicamentos (RAMs); estudos mostram que o uso simultâneo de 10 ou mais fármacos aumenta em até 300% o risco de quedas, delírio e declínio cognitivo; e a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a polifarmácia entre os maiores desafios da década do envelhecimento saudável (2021–2030).
O impacto é funcional, emocional e econômico. A polimedicação sem monitoramento leva à perda da autonomia, pois idosos medicados em excesso apresentam maior risco de quedas com fraturas, confusão mental e demência medicamentosa, incontinência urinária e constipação crônica, internações frequentes e institucionalização precoce (asilos e casas de repouso).
Além disso, o impacto econômico é alarmante. O custo com internações, exames e medicamentos cresce exponencialmente. O próprio sistema de saúde se torna insustentável. Existe solução — mas exige mudança de paradigma. A boa notícia é que esse cenário pode ser transformado.
O acompanhamento farmacoterapêutico clínico, realizado por farmacêuticos capacitados, é uma estratégia com resultados comprovados na literatura: Redução de até 36% nos problemas relacionados a medicamentos (PRMs) (Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., 2020); Aumento da adesão terapêutica; Redução de hospitalizações evitáveis; Detecção precoce de efeitos adversos e interações medicamentosas; Melhora na qualidade de vida percebida pelos pacientes.
A lógica é simples: revisar o que o paciente usa hoje, evita que ele se torne dependente amanhã. O que esperamos de 2030 depende do que fazemos em 2025. Não basta viver mais. É preciso viver melhor. E para isso, precisamos investir em estratégias de cuidado centradas no paciente, com foco na funcionalidade, na prevenção e no uso racional de medicamentos.
O idoso de 2030 será: Mais lúcido ou mais confuso? Mais autônomo ou mais dependente? Mais ativo ou institucionalizado? Mais saudável ou mais medicalizado?
A resposta está nas escolhas clínicas que fazemos agora.
Conclusão: Como farmacêutico clínico, vejo todos os dias adultos medicados sem critério, idosos sem funcionalidade e famílias que não sabem por onde começar. O futuro da saúde pública está diretamente ligado à maneira como cuidamos da prescrição e da farmacoterapia hoje. Revisar medicamentos é mais que um ajuste de doses. É cuidar da história do paciente. É enxergar a pessoa além da receita.
2030 não será um susto. Será apenas o resultado do que decidimos ignorar — ou do que escolhemos transformar.
(Colaboração de Luiz Assunção, farmacêutico clínico).
Publicado na edição 10.932, de sábado a terça-feira, 28 de junho a 1º de julho de 2025 – Ano 101