

Em 31 de maio, briga entre dois alunos de uma instituição de ensino de Bebedouro, resultou em comentário racista e homofóbico e ganhou proporções nas redes sociais, com denúncias, acusações das partes envolvidas, resultando na saída dos dois estudantes da escola como consequência.
A Gazeta procurou o aluno vítima de racismo e a instituição de ensino para reatarem o caso e entender a situação, bem como outros movimentos que surgiram em apoio à vítima e aos familiares.
O aluno conta que teve conflito com outra aluna e, no dia seguinte, soube por uma colega de classe que, dentro do ônibus, voltando para sua cidade, a menina havia feito comentários sobre ele: “Ela não mora em Bebedouro e após a discussão, enquanto voltava para sua cidade, disse para outras pessoas que eu só havia discutido com ela porque estava junto às minhas amigas, também as ofendendo, e que meu único traço de personalidade era ser preto e gay”.
Após saber dos comentários, o aluno diz ter mandado mensagem para a colega: “Disse que ela foi racista e misógina e deveria falar estas coisas para mim, pessoalmente. Após isto, a mãe dela me mandou mensagens e disse que eu deveria ser ‘machão’ no dia seguinte, na frente do pai dela. Ao ver a mensagem, repeti que a filha dela havia sido racista comigo e, inclusive, com outro aluno, que não quis dar continuidade ao caso”.
O aluno continua dizendo que, no mesmo dia, por volta das 12h, recebeu áudios do pai da menina com ameaças: “… Assim que recebi, fui à coordenação e mostrei à orientadora. Fui orientado a não responder mais, já que isto fomentaria a discussão. Assim que cheguei em casa, contei à minha mãe, nós choramos e pode ser que no momento do estresse, minha mãe tenha entendido que era para deixar isso para lá, porém não houve ligação da coordenação nem de ninguém do corpo docente, para avisar minha mãe sobre o ocorrido. Fui mostrar os áudios e todos haviam sido apagados e, por ter sido orientado a não responder mais ninguém, também não enviei a ninguém, os áudios do pai da menina”.
A partir daí, o estudante conta que usou como testemunha outra aluna que ouvira os áudios: “Enquanto isto, minha mãe ligou na escola para marcar reunião e até à 1h da madrugada não conseguiu retorno. Com isto, fomos à delegacia registrar boletim de ocorrência com uma testemunha. Ainda na delegacia, a mulher que estava junto à escrivã me questionou se eu era preto, respondi que sim. Questionou-me se eu era gay, respondi que não, pois me identifico como bissexual. Por isso, disseram que se enquadraria apenas como injúria racial, por eu me identificar como pessoa preta”.
A vítima segue dizendo que após conversar com a família, sua mãe publicou em rede social o ocorrido e, no dia seguinte, assim como combinado com a mãe da aluna das falas racistas e homofóbicas, compareceram à escola: “Chegamos e a orientadora não estava. Eu e minha mãe decidimos ir à secretaria pedir minha transferência. Neste momento, outro coordenador pediu que aguardássemos, quando mostramos o registro da ocorrência. Após algum tempo, a mãe da aluna chegou. Tivemos uma reunião e, ao final, nos foi pedido que esclarecêssemos na postagem da minha mãe, que a orientadora havia me dito apenas para não responder mais aos áudios”.
O aluno explica que a decisão de sair da escola já havia sido tomada dias antes do fato: “Sentia que meus estudos não estavam rendendo tanto, então, já estava em contato com outra escola, mas apenas no segundo semestre. Com o ocorrido, eu e meus pais decidimos antecipar. Minha mãe, inclusive, ficou com medo de como eu seria tratado no último mês, pois alguns professores alegavam que ‘não era pra tudo isto’”.
O estudante conta ainda que após a reunião na escola, ele e a família não receberam mais retorno da instituição: “Tudo o que ficamos sabendo sobre o caso e as medidas tomadas vieram por terceiros, já que foi comentado o assunto dentro da escola, inclusive, pelo diretor, que dá aulas em outras escolas e comentou o caso na sala de uma amiga minha”.
Apoio, consciência e cuidado
A Uneafro que tem a vítima como aluno do cursinho, ofereceu-lhe apoio e estrutura. A Gazeta conversou com o presidente do núcleo de Bebedouro, Micael Renan: “O comentário racista e homofóbico aconteceu fora da escola, mas o assunto foi levado para dentro e quando chegou lá, o que deveria ser feito de imediato, não foi feito”.
Para Renan, o aluno foi sendo violentado de várias maneiras: “Somente com a apresentação do registro do BO, a escola entende tratar-se de assunto sério e faz reunião com os pais dos envolvidos. Nós, da Uneafro, tomamos ciência do caso e de imediato, oferecemos todo apoio jurídico da Uneafro Brasil, fomos até a casa dele, acompanhados de outros movimentos da cidade, e percebemos, inclusive, que o B.O. estava errado por atestar apenas injúria, quando na verdade, trata-se de injúria racial. Então, percebe-se como ele foi sofrendo racismo, diversas vezes após o acontecido”.
Como forma de alertar a todos e promover conscientização, a Uneafro fez aula pública em frente à instituição envolvida: “Foi um ato simbólico, de combate ao racismo e antes mesmo do ato, a Uneafro já havia protocolado ofício junto à instituição, por conta de outros episódios. Esta reunião aconteceu em 20 de junho e, juntos, traçamos estratégias, mapeamos os casos dentro daquela escola e, a partir daí, traçamos planejamento de formação para os próximos meses e anos”.
Renan finaliza dizendo que a Uneafro Brasil e o núcleo de Bebedouro seguem acompanhando o caso: “Fizemos denúncia para o Centro Paula Souza, responsável pela instituição envolvida e também ao Governo de SP. Temos reunião em 17 de agosto, para retomar o assunto e ver como se dará esta denúncia para eles”.
A posição da escola
A Gazeta procurou o diretor da escola, Lucas Cruz, que confirmou a discussão entre os alunos e que a instituição tomou medidas, nos dias subsequentes ao caso: “Na rede social, a mãe deste aluno colocou como se a escola estivesse sendo omissa. Nós acreditamos que o aluno, na hora do estresse e nervosismo, entendeu que a coordenadora tivesse pedindo para não fazer nada de forma geral, enquanto que o pedido foi apenas, para ele não responder ao áudio do pai da menina, para não piorar. Isto foi o boom gerado na internet”, explica.
“A escola continuou seus trabalhos, chamou as famílias e a aluna foi punida no dia seguinte. Alguns alunos ficaram bravos porque a escola estava sendo omissa e fizeram protesto autorizado a ser dentro da escola. Nos dias seguintes, chamei todos estes alunos ao auditório, com a coordenadora, que é advogada, para tirar dúvidas jurídicas, a diretora administrativa para conversar, pois eles estavam querendo saber mais, sobre como se posicionar. Explicamos tudo”, relata o diretor.
Cruz diz ainda que após estas medidas, houve reunião com o Conselho da Escola: “Fizemos lista de ações, alunos e manifestantes foram ouvidos, vamos reforçar capacitações com professores, o que já fazemos nos últimos dois anos e intensificamos falar sobre legislação, postura, como abordar estes assuntos e trabalhar com questões com foco no racismo e na homofobia”, explica.
Sobre a saída dos alunos, o diretor confirma que a decisão da vítima estava tomada dias antes; e a menina, por vontade própria: “Saiu pelo mal estar gerado. Não achamos ser o melhor caminho, gostamos de trabalhar com estes alunos para que eles possam evoluir e aprender”.
Em nota à Gazeta, o Centro Paula Souza informa que “o caso ocorreu fora das dependências da Etec de Bebedouro, no dia 31 de maio. Ainda assim, a direção da unidade reuniu os alunos envolvidos e seus familiares para esclarecer os fatos. Estes estudantes optaram por mudar de escola. O CPS ressalta que não compactua com nenhuma forma de discriminação, desrespeito e assédio. Por meio da Comissão Permanente de Orientação e Prevenção contra o Assédio Moral e Sexual (Copams), promove ações como capacitação de docentes, palestras e divulgação de informações visando a orientação e prevenção de atitudes contrárias aos direitos civis. Denúncias e agressões podem ser comunicadas por alunos, professores e toda comunidade acadêmica pelo canal oficial do CPS: [email protected].
Publicado na edição 10.772, sábado a terça-feira, 15 a 18 de julho de 2023 – Ano 99