
Marcelo Bosch
Não é novidade que nos últimos anos as redes sociais como o Facebook, o Instagram e o Twitter, e aplicativos de celular como o Whatsapp fazem parte do cotidiano comunicacional de muitas pessoas. Por meio destes e de tantos outros recursos tecnológicos, o dinamismo passou a ser uma das características principais das relações humanas na contemporaneidade.
Pessoas separadas por milhares de quilômetros conseguem trocar e acessar informações e vivências quase que instantaneamente, através de textos, fotos, vídeos, gravações de áudio, “carinhas” que traduzem sensações e emoções… O e-mail e as mensagens de celular se tornaram alternativas dentre tantas outras no arsenal tecnológico de comunicação nos últimos tempos. É inegável (e admirável) que estes recursos facilitam a vida das pessoas como um todo e, em alguma medida, as aproximam.
Entretanto, há outros desdobramentos que se originam desse tipo de comunicação mediada pela tecnologia digital, e que mais recentemente vem sendo discutidos por intelectuais de diferentes áreas. Muitos deles vêm se ocupando destas questões, de maneira que para alguns já se fala em uma espécie de patologia relacionada à dependência tecnológica.
Outra questão, pertinente ao mesmo cenário, é destacada pelo sociólogo polonês Zigmunt Bauman. Este defende a ideia de “liquidez” que caracteriza as relações humanas no mundo contemporâneo. As “relações líquidas”, segundo ele, são típicas das sociedades modernas capitalistas em que reinam o consumismo e o individualismo. Tais relações comportam os seguintes aspectos: vínculos sociais e afetivos fundamentados na superficialidade e na brevidade; maior liberdade e autonomia do indivíduo em entrar e sair de uma relação; e, consequentemente, uma sensação permanente de insegurança e de angústia resultante de relações insatisfatórias. Nada surpreendente se tomarmos suas considerações de que, especialmente nos últimos 30 anos, as pessoas vêm sendo treinadas e forçadas a buscar o sentido da vida no entretenimento e no prazer, ao mesmo tempo em que são condicionadas a serem intolerantes a todo e qualquer desconforto e inconveniência.
Neste ponto, cabe mencionar as considerações precisas do historiador Leandro Karnal, em um trecho de uma de suas comunicações realizadas no programa Café Filosófico, da TV Cultura. Abordando sobre as redes sociais, ele diz: “Eu acredito que nós estamos gritando desesperadamente para sermos observados… Eu acredito que nós nos sentimos muito solitários (…) Mas sem sombra de dúvida, as pessoas estão dando opinião sobre tudo e esse é um bom exercício. A minha pergunta é: se alguém está ouvindo a opinião alheia, se alguém está lendo a dos outros… Se eu tiver 35 grupos de WhatsApp, família, amigos, emprego, festa, etc. Se eu tiver três contas de Instagram, se eu tiver quatro perfis no Face, inclusive um “fake” para sacanagem, se eu tiver tudo isso, quem que eu estou lendo de fato?”
E, seguindo em sua fala, ele aborda a maneira habitual de muitas pessoas se comunicarem e viverem na atualidade, apontando para uma espécie de vazio existencial, ou para um ser desalmado, que perdeu ou teve diminuído seu poder de reflexão, introspecção e de genuinidade em suas experiências.
Nesse sentido, não é incomum encontrarmos no cotidiano como um todo e nos consultórios e serviços de psicologia em particular, pessoas – especialmente adolescentes e jovens adultos – que carregam consigo uma boa dose de ansiedade na qual elas não sabem a que atribuir. Junto dessa ansiedade comumente observamos condutas permeadas por imediatismo, impulsividade, inconsequência, intolerância ao mínimo desconforto e às adversidades da realidade, dificuldades em lidar com compromissos e em absterem-se de prazeres momentâneos, egoísmo, competitividade, indiferença aos sentimentos, às opiniões e à dor dos outros e baixa autoestima.
Este parece ser um cenário cada vez mais frequente na sociedade contemporânea, em que o tempo tornou-se escasso e a comunicação parece ter sido substituída pela aparição. Aparição de pessoas, de coisas, de informações, muitas vezes impactantes, mas fugaz porque logo caem no esquecimento coletivo e individual.
Vivemos com pressa, as informações, o conhecimento e a troca de afetos parecem escorrer pelas mãos, e nesse processo nos esquecemos das relações interpessoais autênticas, nas quais, como afirma Bauman, o outro oferece uma intimidade profundamente gratificante, há uma comunhão duradoura, e uma alegria em dar ao invés de receber…
(Colaboração de Marcelo Bosch Benetti dos Santos, Psicólogo, especialista em Psicologia Clínica, mestrando em Psicologia Clínica – PUC-SP).
Publicado na edição nº 9919, dos dias 26 e 27 de novembro de 2015.