Ritos que sustentam

José Renato Nalini

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Uma civilização é construída pela sedimentação de ritos. Eles consolidam uma cultura. Quando começam a se esgarçar, ela – a cultura – desmorona.

Isso é bastante nítido no seio das famílias. Elas obedeciam a rituais integrados na tradição mais do que secular. Os almoços aos domingos. A celebração dos aniversários. A participação nas atividades religiosas, nas missas, rezas e procissões. O Natal, a Páscoa, o dia das Mães, dos Pais e da criança.

Rituais obrigatórios: a preparação de um casamento, com a expedição de convites, que eram entregues pessoalmente pelos noivos, em visita formal ao convidado; a formação da “corbeille” dos presentes, que eram entregues na residência do noivo ou da noiva, ocasião em que se oferecia um drinque. O capricho na cerimônia.

Outro, imprescindível, o ritual do luto. Comparecer ao sepultamento, à missa de sétimo dia. Fazer uma visita de condolências à família que perdeu um ente querido.

O ritualismo se inspirou bastante na tradição da Igreja Católica. Por que é que ela perdura por mais de dois milênios? A missa é a mesma em todas as igrejas de todo o planeta. A Ave-Maria é pronunciada com idênticas palavras, em todos os idiomas. Assim o Pai-Nosso, a Salve-Rainha, o Credo.  As Sagradas Escrituras não variam. Pode haver interpretação com alguma tonalidade própria ao talento do pregador. Mas as palavras são as mesmas. Repetidas ad infinitum.

Quando os ritos começam a se diluir, algo não caminha bem na Instituição. Assim ocorre na família. “Por que celebrar o aniversário de um idoso? Por que assistir missa de sétimo dia? Por que se casar?”.

Isso acontece na escola. “Por que cantar o Hino Nacional? Por que celebrar pessoas que morreram há duzentos anos? Qual o significado de datas históricas?”.

É o que não deixa de ocorrer em todos os espaços, em nome da modernidade. As instituições que perduram são aquelas que souberam conciliar tecnologia e rito. A metáfora do rito serve para explicar muito descompasso que existe entre as expectativas e a realidade. Não é saudosismo, nem pensamento antiquado, engessado e superado.

Quem vai deixando de lado aquilo que moldou gerações, perde identidade, sentido de pertencimento e se aliena, pondo a perder um patrimônio afetivo de imenso valor. Que só se reconhece depois que o dilapidou.

Se elas podem, nós também

A situação calamitosa do ambiente planetário reclama uma opção consequente e compromissada de cada ser humano. Há gestos isolados que provam existir consciência ecológica em alguns nichos. Mas eles precisam de escala. Precisam comover mais pessoas. Até que a população mundial, uníssona, exigisse dos governos uma postura séria. Estado é mandatário, não senhor da cidadania. O mandante é o cidadão que vota. Este é que deve ditar as regras de conduta dos políticos profissionais, em regra a perseguir seus próprios egoísticos interesses, com absoluto desprezo pelo bem comum.

Mas há coisas que podem ser feitas e que dependem exclusivamente da boa vontade. Encontrei dois bons exemplos estes dias. Um deles ocorre em São Caetano do Sul, onde se desenvolve um projeto de expansão da política pública de atenção à alimentação. Todas as sessenta e seis unidades escolares municipais terão hortas.

Houve ampliação dos espaços de cultivo de verduras, legumes e hortaliças. O projeto conta com o apoio dos estudantes do curso de Nutrição da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e de uma frente de trabalho que envolve a comunidade. As mães poderão trabalhar nas escolas. Tais projetos de educação alimentar são reconhecidos pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. É uma fórmula interessante para fazer a criança se interessar pelo cultivo e apreciar mais a comida que resulta de sua participação.

O outro exemplo é o mutirão levado a efeito em Barão Geraldo, Campinas, que transformou um terreno abandonado em agroflorestal. A população ecologicamente consciente recuperou uma área ociosa e o resultado é uma flora e fauna exuberantes. O local utilizado para depósito de lixo e material de construção descartado atraía baratas e ratos. Mas a população não esperou que o governo municipal reagisse. Colocou-se em atividade coletiva e constante. Árvores frutíferas e espécies nativas da Mata Atlântica mostram que, havendo boa vontade, a natureza devolve em décuplo aquilo que nela se investe.

Ora, se São Caetano do Sul e Barão Geraldo, em Campinas, podem fazer tais projetos, por que não as outras cidades? Basta querer. Vamos em frente, pois de tais atitudes depende o futuro da humanidade.

(Colaboração de José Renato Nalini, Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras).

Publicado na edição 10.782, sábado a terça-feira, 19 a 22 de agosto de 2023