
Como amplamente divulgado e conhecido por todos, o governo dos Estados Unidos da América (EUA) impôs tarifas comerciais sobre a importação de produtos produzidos em diversas nações do mundo, inclusive em históricos aliados comerciais, políticos e militares dos EUA, como o Canadá, o Japão e os países que compõem a União Europeia.
Inicialmente variadas para cada país, as tarifas foram suspensas por 90 dias e padronizadas na faixa dos 10% para todas as nações, exceto a China. Até meados de julho, período durante o qual se espera a abertura de negociações bilaterais e multilaterais entre as autoridades dos EUA e dos países afetados pelas medidas implementadas pela maior economia do mundo, o cenário é de aplicação de tarifas reduzidas, porém incômodas.
Muito embora as tarifas mais elevadas tenham sido suspensas, ainda paira no ar um sentimento de traição e revolta com os EUA. Países aliados e que mantêm sólidas relações comerciais com os norte-americanos, como o Brasil, viram-se pressionados – para não dizer chantageados – a negociar melhores condições de compras para os EUA, sob o pretexto de que a relação comercial estava desequilibrada – o que não é necessariamente uma verdade.
Nesse cenário de imposição de condições negociais de forma unilateral, as regras do comércio mundial foram duramente afetadas. Especialistas afirmaram que, apesar do elevado risco de redução das operações comerciais no mundo, alguns países, inclusive o Brasil, poderiam ser parcialmente favorecidos com as tarifas impostas pelos EUA. Mas essa é uma afirmação questionável.
Primeiramente, a desaceleração do comércio mundial pode afetar os preços de determinados produtos, dentre os quais as commodities, que têm forte participação na balança comercial brasileira. A potencial redução das receitas de exportações afetaria não somente a geração de divisas para o Brasil, como também implicaria em redução de ganhos para os produtores brasileiros. Assim, o que poderia parecer uma excelente oportunidade de vendas para novos mercados pode terminar em uma redução de margens para o produtor nacional.
Adicionalmente, produtos que poderiam ser comercializados pelo Brasil em complemento às mercadorias que, por retaliação, deixariam de ser compradas dos EUA, como a soja, pouco teriam a ganhar. A China, maior consumidora de soja em grãos do mundo, já adquire parcela significativa dessa commodity do Brasil, e dificilmente, por questões comerciais, operacionais e logísticas, conseguiria aumentar as aquisições da soja brasileira em substituição à soja dos EUA. Nesse cenário, ao invés do aproveitamento de uma oportunidade de ouro (substituir a soja dos EUA, um forte concorrente ao Brasil nesse segmento), eventuais ganhos seriam marginais, com expressão efetiva reduzida.
Nesse contexto, a aplicação das tarifas pelos EUA gera grande preocupação no Brasil e no mundo. Seja pelo tamanho do mercado consumidor norte-americano, seja pela importância de se comercializar com os EUA sob os pontos de vista econômico e geopolíticos, seja pelas dificuldades operacionais de se alterar o fornecedor de determinados produtos e mercadorias, as propagandeadas oportunidades comerciais a que o Brasil estaria exposto – quais sejam, as de vender mais para antigos parceiros comerciais dos EUA que foram duramente tarifados – são, em certa medida, inaplicáveis.
Por essa razão, é importante que o Brasil trabalhe, através de sua diplomacia, a negociação das melhores condições tarifárias possíveis e que, sob o ponto de vista geopolítico, permaneça neutro nessa briga que, ao final das contas, opõe EUA e China, emparedando indevidamente os demais países do mundo. Que tenhamos a sabedoria para navegar nessas águas turbulentas, e que saibamos aproveitar eventuais oportunidades que surjam e que façam sentido para os produtores brasileiros e para a indústria nacional.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado, conselheiro e consultor. Contato: [email protected]).
Publicado na edição 10.919, de quinta a terça-feira, 1º a 6 de maio de 2025 – Ano 100