

“Três Graças”, criada por Aguinaldo Silva e escrita em parceria com Zé Dassilva e Virgílio Silva, é acontecimento raro: uma telenovela das 21h que entende seu próprio tempo, domina a linguagem do gênero e respeita a inteligência do público. Em um cenário pós-pandemia fragmentado, com novas dinâmicas de consumo e a Globo ainda reencontrando sua identidade no horário nobre, a novela surge com segurança estética, narrativa e emoção, algo que o público não via há anos.
Sim, ‘Pantanal’ trouxe poesia, densidade e o resgate do naturalismo, mas tratava-se de um remake e ‘Um Lugar ao Sol’ ofereceu o texto mais brilhante da década, mas foi sabotada pela própria emissora, de divulgação à exibição, tornando-se injustamente esquecida. Em 2023, ‘Terra e Paixão’ devolveu entusiasmo ao público e encontrou audiência em sua reta final, consolidando os sonhados 30 pontos. Mas nenhuma dessas produções conseguiu reunir, com tanta precisão, três elementos fundamentais do gênero: arco bem construído, ritmo e senso dramático de grande romance popular.
“Três Graças” faz isso com aparente simplicidade, o que é sempre sinal de novela muito bem escrita.
Domínio absoluto da forma novela
A novela tem início, meio e encaminhamentos claros. A famosa “barriga”, o período de estagnação que acomete a maioria das produções longas, aqui não dá sinais de que virá. Cada núcleo tem uma função, cada personagem tem trajetória, conflitos e tempo de tela suficiente para respirar.
Aguinaldo constrói personagens sem pressa, com paciência de artesão. Ele entende que a novela não é sobre correr, é sobre fazer crescer. Sua experiência, acumulada em sucessos que definiram gerações, de “Roque Santeiro” a “Senhora do Destino”, de “Tieta” a “Império”, aparece na forma como ele utiliza o mistério, o melodrama e a ironia como motores narrativos. O autor está, mais uma vez, provando que ainda sabe fazer novela como ninguém.
Gerluce: a protagonista carismática que o horário pedia
A maior virtude de “Três Graças” está na construção de Gerluce, vivida com brilho por Sophie Charlotte. Há anos o horário não tinha uma mocinha tão completa: humana, contraditória, forte, doce quando convém, dura quando necessário, e com hipocrisias e sombras reais, não caricaturais. Ela é do bem, mas não perfeita. Aguinaldo devolve ao público a protagonista cheia de camadas, capaz de despertar amor, irritação, empatia e torcida. Sophie domina a personagem com vigor emocional e presença cênica: ela carrega a novela sem esforço aparente.
A química com Rômulo Estrela, o Paulinho, mostra o quanto o simples, quando bem feito, funciona: dois atores carismáticos, com sincronia extraordinária, criam cenas que vibram na tela. É romance de verdade, com tensão, humor, fricção e entrega. O público vê e sente.
O frescor dos vilões
No núcleo das antagonistas, a novela acerta novamente. Arminda, interpretada por Grazi Massafera, é uma vilã carismática, desbocada, com personalidade impossível de ignorar. Grazi encontrou o tom exato entre absurdo e adorável. Arminda devolve a alegria de assistir a uma vilã que se diverte em cena, algo que estava perdido entre arquétipos repetidos e vilões que tinham medo de ser.
Murilo Benício como Ferette cumpre o papel de vilão com segurança e densidade; a parceria com Grazi funciona não porque o texto força, mas porque há química interpretativa e espaço para ambos brilharem. Contin. na edição de 13 de dezembro.
Publicado na edição 10.973 de sábado a terça-feira, 6 a 9 de dezembro de 2025 – Ano 101




