Tudo interfere em tudo

José Renato Nalini

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Um dia, e será logo, todos compreenderão que tudo está interconectado. Somos todos integrantes de um complexo que nos une, como a uma Grande Família. Da qual fazem parte todos os vivos, não só os animais racionais.

Assim, não é surpresa para quem está atento, que o desmatamento na Amazônia altera o ritmo local de chuvas. O fenômeno é cientificamente aferível: mais chuvas na estação chuvosa e menos chuvas na estação seca. Aquilo que é detectável até empiricamente, pela experiência pessoal, foi pesquisado e comprovado pela revista “Nature”. Mais uma vez, ela destaca o papel essencial da floresta tropical na regulação do clima local e global.

O desmatamento na última grande floresta tropical do planeta deriva de inúmeras causas, algumas delas até aparentemente saudáveis: a agricultura predatória, a pecuária e a mineração. Isso compromete a capacidade da mata absorver dióxido de carbono, o gás que, junto com outros, chamados “do efeito estufa”, aquece o planeta.

A redução da vegetação reduz a quantidade de água absorvida pela atmosfera e isso vem a advertir a humanidade de que essa região emblemática está prestes a atingir o chamado “ponto de inflexão”. A Amazônia será uma savana, depois um deserto.

Ninguém pode alegar ignorância quanto à composição do solo da região amazônica. A faixa de terra é minúscula. Daí ser ela inservível para o cultivo e para a pecuária. Ela tem de ser, quase toda, coberta da vegetação nativa. E os esforços do governo e da sociedade precisam ser dirigidos para a criação de uma bioeconomia que permita a subsistência dos quase trinta milhões de brasileiros que ali habitam.

Há um patrimônio imenso na exuberante biodiversidade que sequer é conhecida, mas que caminha, inexoravelmente, para a sua extinção, por cupidez, ganância e ignorância humana.

Resta muito pouco tempo para a reversão de expectativas, se houver mudança drástica de comportamento. Mas mudar a conduta depende de um convencimento que ainda não chegou às mentes empedernidas, aquelas que só enxergam cifrão e matéria e não se preocupam com o futuro, pois são especializados em fabricar desertos.

Quem é sapiens?

O título de “sapiens” deve ser cassado da espécie humana. “Nós somos uma bactéria em vias de extinção. E isso é muito bom”, disse Ailton Krenak, em recente conferência em Paris, no legendário Collège de France.

Isso a propósito da aparente contradição brasileira em continuar a insistir na exploração de combustíveis fósseis, quando a ciência já demonstrou que a humanidade corre perigo exatamente por causa da emissão dos gases causadores do efeito-estufa.

É preciso reiterar à insistência, que quem corre risco de desaparecer é a espécie humana, não o Planeta. Este continuará a existir. Mas prescindirá da humanidade, que não tem sido a melhor inquilina para o planeta. E chega de falar em “desastres naturais”. São desastres provocados e hoje ninguém mais pode alegar ignorância. Os cientistas já perderam o fôlego de tanto alertar a raça que insiste em se considerar racional.

2025 é um ano emblemático. É o Ano Jubilar, do saudoso Papa Francisco, um ecologista que teve coragem de redigir três consistentes textos em favor da natureza e se manifestar, inúmeras vezes, em favor da salvação do ambiente. Com o intuito de salvar vidas. Inclusive e principalmente as humanas.

2025 é também o Ano do Brasil na França e a conferência de Krenak teve por tema dois neologismos que ele criou: “florescidade” e “florestania”. O primeiro lembra que as cidades não podem perder suas florestas. O segundo acentua que “cidadania” é pouco para mostrar aos homens sua responsabilidade. Florestania é a prova de que a floresta é um lugar para acolher a vida e não um lugar vazio ou inabitável.

São temas que deveriam estar presentes na COP30, oportunidade para se discutir a urgência da desfossilização e a conversão dos negacionistas para que percebam ser urgente a mudança de atitudes se se pretender garantir a continuidade da vida nesta sofrida Terra, que maltratamos, dizimamos, deterioramos e matamos.

Quem é mesmo que se vangloria de ser “sapiens” e age como um verdadeiro “ignorans”?

(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).

Publicado na edição 10.927, quarta, quinta e sexta-feira, 4, 5 e 6 de junho de 2025 – Ano 100