

A Globo estreou nesta terça-feira (25) projeto que pode ser considerado um verdadeiro marco na história recente da teledramaturgia brasileira: Tudo Por Uma Segunda Chance, sua primeira novela inteiramente vertical, feita sob medida para o consumo pelo celular, nas redes sociais e no fluxo acelerado das plataformas. Trata-se de aposta ousada, mas extremamente coerente com o momento que vivemos.
Por mais de 60 anos, a Globo ditou tendências, formou público e consolidou o Brasil como um dos maiores produtores de novelas do mundo. E por muito tempo a pergunta circulou entre especialistas, fãs e até dentro dos bastidores: as novelas vão acabar?
A estreia desta novelinha prova o óbvio: não, novelas não acabam. Elas se reinventam.
Inovação real e estratégica
O formato de Tudo Por Uma Segunda Chance é reflexo de um fenômeno cultural inevitável: o público migrou para o celular. As pessoas consomem vídeos curtos, rápidos, diretos, com narrativa visual pensada para a tela em pé. A Globo percebeu isso, entendeu o comportamento do público e fez o movimento que estava faltando no Brasil: levar o gênero mais tradicional da nossa cultura televisiva para o ambiente vertical.
O resultado são capítulos de até três minutos, com cortes rápidos, ganchos fortes, ritmo de série, mas essência de novela: romance, paixão, ódio, vilania, reviravoltas e cliffhangers em alta rotação. Uma porta escancarada para o futuro.
E é impressionante como o microdrama já nasce maduro: os 10 primeiros episódios liberados são enxutos, envolventes e demonstram domínio surpreendente do formato, tanto no roteiro de Rodrigo Lassance quanto na direção de Adriano Melo, que encara o desafio de filmar novela como se filma Reels e TikTok, mas sem perder o DNA da teledramaturgia global.
Trio protagonista escalado à perfeição
Se a novela precisava de rostos fortes, carisma instantâneo e perfis conectados ao público-alvo, a escalação é um dos maiores acertos da produção.
Débora Ozório: a mocinha ideal – Débora vem do enorme sucesso como Celeste em Garota do Momento, onde reafirmou seu magnetismo como protagonista clássica. Ela é romântica, doce, luminosa, exatamente o tipo de personagem que conecta instantaneamente com quem assiste no celular. Sua presença dá credibilidade ao formato e traz o público tradicional para dentro da experiência vertical.
Daniel Rangel: o herói apaixonado – Daniel atravessa fase excelente. Ele brilhou recentemente em Família é Tudo e é, assumidamente, um noveleiro. Sabe o peso histórico deste projeto e se entrega de corpo e alma. A empolgação dele na divulgação é genuína e contagiante. Em entrevista exclusiva ao Crítica em Foco confessou o nervosismo pela estreia e disse que o frio na barriga “é grande”, mas que está muito feliz.
Rangel é o elo entre tradição e inovação. Perfeito para este marco.
Jade Picon: a vilã da internet – Jade entrega exatamente aquilo que o público das redes sociais espera: expressividade, intensidade e presença digital. Ela entende o algoritmo, conversa com seu público, gera engajamento e, surpreendentemente, se diverte como Soraia, a vilã que envenena, trama, manipula e hipnotiza. É a cara do projeto. E funciona.
Narrativa afiada e ganchos irresistíveis
Os primeiros capítulos são impecáveis: começam já no auge do conflito, às vésperas de um casamento; trazem envenenamento, coma, armação, prisão injusta e apagamento de memória em questão de minutos e fazem de Soraia uma vilã clássica, movida por desejo, obsessão e um quê de crueldade moderna. É ritmo de novela? É ritmo de série? É ritmo de TikTok? É tudo ao mesmo tempo.
Globo acerta ao se jogar no vertical com produção caprichada, fotografia pensada para o enquadramento, edição ágil e roteiro condensado. Tudo conversa com a lógica do celular.
É um produto que nasce com vocação viral. E, acima de tudo, marca momento histórico da Globo, que finalmente abraça o formato que molda a nova geração.
Mas há riscos… e são importantes
A experiência, apesar de inovadora, levanta dois pontos que podem comprometer o alcance:
Lançar 10 capítulos por semana pode atrapalhar o consumo. Por mais que sejam episódios curtos, a alta quantidade semanal pode sufocar o público. O modelo tradicional, um por dia, talvez fosse mais eficiente. Ou, ao contrário, liberar tudo de uma vez. O meio-termo é o maior risco.
A organização do conteúdo nas redes sociais é um desafio real. O perfil da Globo produz muito diariamente, e os primeiros capítulos já ficaram enterrados no feed. Isso pode confundir quem chega depois. A solução imediata? Destaques nos Stories, playlists fixas e uma curadoria mais clara dentro dos perfis.
Tudo Por Uma Segunda Chance não é apenas uma novelinha vertical. É o primeiro passo de um novo formato de teledramaturgia no Brasil.
A Globo faz o que sempre fez de melhor: lê o público, acompanha o tempo e cria tendências.
O trio principal entrega química, intensidade e frescor. A vilã de Jade, o romantismo de Débora e a entrega apaixonada de Daniel formam conjunto afinado e perfeitamente adequado ao novo gênero. O roteiro tem ganchos certeiros, a direção domina o enquadramento vertical e a narrativa é viciante.
Se ajustar pequenos detalhes de estratégia, organização e frequência, a emissora tem em mãos um novo produto potente, com gigantesco potencial de viralização e impacto cultural.
A era das novelas verticais começou. E muito bem.
Publicado na edição 10.971 de sábado a terça-feira, 29 de novembro a 2 de dezembro de 2025 – Ano 101




