Um nariz para a sustentabilidade

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A maior floresta tropical do mundo abrange nove países da América Latina. Só no Brasil a Amazônia perpassa sete estados brasileiros, em sua maioria, situados na região norte e noroeste. São cerca de sete milhões de quilômetros quadrados que resguardam uma diversidade incomensurável, seja de flora como de fauna. Ali convivem o cerrado, as campinas, matas secas, igapós, manguezais, cachoeiras e grandes áreas de matas fechadas. São mais de 30 mil espécies de plantas e mais de 30 milhões de espécies animais. Não fosse o bastante, a região amazônica abriga ainda cerca de 20% dos recursos hídricos do planeta, dando a ela o poder de ajudar na manutenção do equilíbrio climático global.

 

Árvore boa é árvore derrubada

Embora esse lema não tenha sido abertamente pronunciado por políticos, produtores rurais ou mesmo agropecuaristas, o fato é que por trás da hipocrisia velada e do discurso ufanista de Brasil progressista, existe uma onda avassaladora que há anos tem passado por cima de quaisquer sentimentos de ética focados na sustentabilidade das florestas.

Enquanto o cidadão brasileiro (sic!) – completamente míope em sua luta diária por uma migalha de pão – ignora o futuro do planeta, grupos mais organizados engolem as florestas com fome incrivelmente avassaladora. Os números não mentem. De acordo com o World Resource Institute, em 2017 as regiões tropicais do mundo perderam uma cobertura arbórea equivalente ao território da Itália. São 40 campos de futebol de floresta derrubada por minuto. O Brasil contribuiu com nada menos do que 45 mil quilômetros quadrados, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). E números mais recentes relativos aos últimos 12 meses (2018) indicam que o desmatamento na região aumentou em cerca de 40%, perdendo só neste período, quatro mil quilômetros quadrados, área equivalente a 13 vezes o tamanho da cidade de Belo Horizonte.

De acordo com o Imazon, essa façanha de destruição se deve em muito ao ano eleitoral que o país viveu – ocasião em que o povo está distraído com as bandeiras da saúde, educação, segurança e outros temas angelicais – e a sistemática de controle e gestão do governo, frouxos a espera de um novo ciclo.

De qualquer maneira, o desmatamento da Amazônia já faz parte da cultura degradante e contaminada de nosso país. Não se respeitam os acordos ambientes, as áreas de conservação e muito menos a legislação vigente. Que falta danada nos faz uma operação lava-jato verde, não é mesmo?

 

O nariz do bem

Se por um lado políticos e empresários gananciosos fazem do meio-ambiente um descaso nacional, a ciência por outro, tem tentado promover o bem da sustentabilidade, mesmo que a duras penas. É o caso da equipe de Jonas Gruber do Instituto de Química da USP, que desenvolveu uma tecnologia de ponta para identificar e classificar diversos tipos de madeira, facilitando a fiscalização e o combate à extração ilegal de madeira de árvores ameaçadas de extinção. Olhando para uma dessas árvores ainda em pé, é possível facilmente identificá-la. Após o seu corte, somente com análises dos tecidos vegetais, normalmente feitas em laboratório.

O aparato tecnológico desenvolvido pela equipe de Gruber tem justamente o objetivo de eliminar essa lacuna de identificação da madeira cortada, emitindo um parecer muito rápido (em minutos) e em qualquer lugar do planeta, por mais remoto que seja. Trata-se de uma espécie de nariz eletrônico que literalmente cheira a madeira e avisa de qual espécie ela é. O nível de acerto na identificação de madeiras advindas de árvores de espécies e gêneros diferentes pelo nariz eletrônico é de 100%, caso do mogno e do cedro. Já para madeiras de árvores do mesmo gênero, como a imbuia e a canela-preta, a assertividade do nariz gira em torno dos 95%.

O ponto alto dessa tecnologia, além do desempenho e da portabilidade, é o seu baixo custo. Tecnologias semelhantes no mercado custam em média US$20 mil. Esse nariz, composto por seis ou sete sensores de R$1,00, vai custar infinitamente menos. E o interessante é que uma vez disponível comercialmente, o nariz eletrônico vai conseguir cheirar a pinga e determinar o tipo da madeira do tonel em que ela foi envelhecida, bem como cheirar uma laranja e identificar se ela está contaminada pelo fungo Penicillium digitatum, causa de grandes prejuízos econômicos aos países produtores de citros.

Esse é mais um exemplo da ciência tupiniquim fazendo diferença em nossas vidas.

(…)

Leia mais na edição nº 10337, de 22 e 23 de novembro de 2018.