
A quem acredite que as estações do ano observadas pelos habitantes da Terra – primavera, verão, outono e inverno – se devem particularmente aos movimentos de aproximação e afastamento da Terra em relação ao Sol. Mais perto do Sol, mais quente, mais longe, mais frio. Puro equívoco!
Na realidade, o fator determinante das estações é resultado de uma pequena inclinação do eixo de rotação da Terra em relação ao plano desse movimento de translação. Em outras palavras, e de forma bem simplificada, a Terra gira em torno do Sol um pouquinho tombada, o que é suficiente para que os raios solares incidam sobre a superfície do nosso planeta de forma diferenciada durante o transcorrer do ano.
Assim, quando aproveitamos o verão aqui no hemisfério sul, a população do hemisfério norte passa o maior frio. E quando eles se esbaldam com o calor, nós aqui ficamos soterrados de tanta roupa. Para se ter ideia, o ângulo de inclinação que provoca essas mudanças na Terra é bem pequeno, de aproximadamente 23°. Imagine então você morar em um planeta cuja inclinação fosse de quase 100°. Não seria o fim da picada?
Descobrindo um novo astro
William Herschel, músico, matemático e astrônomo alemão nascido de família pobre, demorou 43 anos para que tivesse o seu nome elevado ao hall da fama motivado pela descoberta do planeta Urano. Em 1781 ele reportou a observação que havia feito de um astro que classificou, primariamente, como um cometa, para depois, corroborado por outros astrônomos e matemáticos, chegar à conclusão que na verdade tratava-se de um novo planeta, o sétimo naquela ocasião.
Urano apresenta um conjunto de peculiaridades: primeiro, foi descoberto na era moderna (os demais, até então, haviam sido descobertos até o século 18); segundo, foi observado nos jardins da casa de Herschel, por um telescópio que ele próprio construiu (dada a sua falta de verbas para comprar um); terceiro, recebeu vários nomes (Georgium, Herschel, Netuno, etc.) até se definir Urano; e por fim, e mais curioso, o seu eixo de rotação possui ângulo de inclinação de 98° com o plano de sua órbita. É como se ele literalmente rolasse em seu movimento de translação ao redor do Sol.
Choques
inevitáveis
Há 4,5 bilhões de anos a região ao redor do Sol era extremamente tumultuada devido à grande quantidade de pequenos corpos vagando pelo espaço, em sua maioria, ainda em forma de poeira e gases. Aos poucos esse material foi se aglutinando e dando forma aos planetas como conhecemos hoje.
Até que esses bilhões de anos se passassem e os planetas se formassem, muitos choques entre eles aconteceram. Poder-se-ia dizer que batalhas indômitas ocorreram ao redor do Sol e que os atuais oito planetas foram os grandes sobreviventes.
Até bem pouco tempo imaginava-se que Urano teria se inclinado na posição de 98° devido a um grande impacto entre ele e um corpo celeste do tamanho da Terra, ainda quando o planeta estava em formação. Bem recentemente, em 2011, uma equipe de pesquisadores liderados pelo italiano Alessandro Morbidelli, do Observatório da Côte d’Azur, na França, obteve indícios de que Urano foi alvo na verdade de dois grandes choques com objetos de porte significativo.
O primeiro choque fez com que o planeta se inclinasse um pouco, e o segundo o fez literalmente deitar-se sobre o seu plano de translação ao redor do Sol, vergando sob a influência de uma força maior.
Interessante dessa história é que devido a essa inclinação o pólo sul e o pólo norte do planeta se revezam a cada 22 anos para receber a luz solar e mesmo assim, ambos os pólos mantém constantes a temperatura em sua superfície visível, embora muito baixa para a vida humana, em torno de – 220°C.
Em 1986 a nave espacial não tripulada Voyager 2 sobrevoou o planeta para identificar a estrutura química de sua atmosfera, os campos magnéticos e demais características geofísicas. Como resultado, descobriu outros dez satélites e dois novos anéis.
Não existe atualmente nenhum programa concreto para novas explorações espaciais àquele planeta, apenas propostas de missões exploratórias da Agência Espacial Americana e Européia para a próxima década. Até lá Urano continuará com os seus pequenos grandes segredos.
Publicado na edição nº 9699, do dia 29 e 30 de maio de 2014.