O remake de Vale Tudo, sob adaptação de Manuela Dias, tinha a difícil missão de revisitar uma das novelas mais emblemáticas da teledramaturgia brasileira. O desafio era grande, mas o que se vê no ar é um projeto que não apenas carece de alma, como parece caminhar sem rumo. O texto de Manuela, embora carregado de intenções contemporâneas, soa escorregadio, não encontra nem consistência nem profundidade suficientes para sustentar a narrativa que consagrou a versão original. Isto chega a surpreender, tendo em vista que ‘Amor de Mãe’, novela da autora para o horário nobre, a única inclusive, não foi ruim e era bem planejada, apesar de alguns apontarem defeitos na segunda parte da história, visivelmente afetada pela pandemia.
Ainda assim, este não é, de longe, o maior dos problemas de Vale Tudo. O principal ponto de desequilíbrio atende pelo nome de Paulo Silvestrini. Diretor que brilhou em Vai na Fé, último grande êxito da faixa das 19h, parece não ter reencontrado o tom para uma novela das 21h. A condução de Vale Tudo é errática, desalinhada com a proposta da obra original e, pior, incapaz de dar corpo ao que está no papel, por mais que este seja limitado.
O que se vê é um festival de cenas ocas, mal construídas, em que a emoção patina. Um exemplo gritante foi a sequência exibida na última terça-feira (27), quando Heleninha, personagem de Paolla Oliveira, teve mais uma recaída no alcoolismo. Oliveira entrega o que pode, lutando contra a inércia da cena, contra planos de câmera sem lógica dramática e uma trilha sonora que parece reciclada de qualquer outra coisa, menos de um drama. O resultado é desconcertante. Paolla não está mal, está, na verdade, heróica. Mas a direção não a acompanha. A cena tinha que cortar o espectador. Em vez disso, mal arranha.
E este desequilíbrio se repete em inúmeras sequências. Fica evidente que há um ruído grave entre direção e dramaturgia. Parece que Silvestrini não compreende o material com o qual trabalha, ou talvez esteja tentando adaptá-lo a um formato que não lhe cabe. O que poderia ser compensado com uma direção inspirada, acaba soterrado por escolhas equivocadas.
O reflexo disso está nas críticas e, principalmente, nos números: Vale Tudo frequentemente perde para as novelas das 18h e 19h. Embora isso não seja inédito, perder quase todos os dias é sinal de alerta vermelho. E isso não é culpa do elenco. Pelo contrário, há um esforço coletivo digno de nota: Taís Araújo, Débora Bloch, Renato Góes, Alexandre Nero, Malu Galli, todos entregam mais do que o material permite. Estão, como se diz, tirando leite de pedra.
A esta altura, o problema já não é técnico, é estratégico. É urgente que a direção artística da emissora olhe com mais cuidado para Vale Tudo. Ainda há tempo de corrigir o curso e preservar, ao menos, a dignidade do que esta história representa para a dramaturgia nacional. Porque do jeito que está, nem tudo vale.
Publicado na edição 10.926, de sábado a terça-feira, 31 de maio, 1º a 3 de junho de 2025 – Ano 100