

A atual novela das 21h da Globo, Vale Tudo, acerta em cheio ao revisitar um dos maiores clássicos da teledramaturgia brasileira com respeito e ousadia na medida certa. Com roteiro adaptado por Manuela Dias, o remake prova que quando a receita é boa, é preciso muito esforço, e erros, para estragá-la. Afinal, 37 anos depois de sua estreia original, Vale Tudo segue sendo uma história atual, potente e afiada.
A espinha dorsal da trama permanece intocável, e com razão: o dilema moral entre honestidade e corrupção, personificado no embate entre Raquel e sua filha Maria de Fátima, continua ressoando com o público. Taís Araújo brilha ao interpretar Raquel. Sem imitar Regina Duarte, ela cria uma versão própria da personagem, firme, sensível e intensa. Renato Góes também acerta como Ivan, entregando elegância e vulnerabilidade. Já Paolla Oliveira vive uma Heleninha mais contida, mas igualmente impactante, conquistando o público a cada capítulo.
O maior problema, no entanto, continua sendo a escalação de Bella Campos como Maria de Fátima. Embora a atriz não comprometa em cenas mais leves, falta-lhe o estofo dramático para sustentar uma personagem tão complexa e estratégica. Diante de veteranos como Taís Araújo e Júlio Andrade, a diferença salta aos olhos. Mesmo ao contracenar com Alice Wegmann, da sua geração, a atuação soa deslocada, enfraquecendo momentos cruciais da narrativa. Maria de Fátima exige cinismo, ambição e frieza, nuances que ainda escapam à jovem atriz e também à autora que parece ter dado um tom mais fútil à personagem.
Em contrapartida, Júlio Andrade entrega um Rubinho renovado, carismático e tragicômico, mostrando mais uma vez sua versatilidade em cenas que oscilaram entre o drama e o humor com maestria. Sua despedida da novela foi à altura de sua trajetória: emocionante e impactante. É um dos grandes destaques desta versão.
Nos núcleos paralelos, Alexandre Nero está monstruoso, no melhor sentido, como Marco Aurélio, amplificando a vilania do personagem com naturalidade e vigor. O novato Pedro Waddington como Tiago cumpre bem seu papel coadjuvante. É assim que talentos iniciantes devem começar: com espaço, mas sem o peso de carregar a trama, algo que Bella Campos ainda não está pronta para fazer.
A direção de Paulo Silvestrini, no entanto, ainda patina. Há cenas que clamam por mais tensão, por uma condução mais sensorial, faltam elementos básicos como trilhas de suspense, closes dramáticos ou pausas que deem tempo ao impacto emocional. Parece faltar a ele o feeling do “climão” típico das novelas das 21h. Não se trata de copiar a versão original, mas de entender o que faz Vale Tudo ser Vale Tudo.
Apesar disso, o remake vai bem. A audiência ainda não explodiu, mas o terreno está fértil: os conflitos estão apenas começando, e a trama tende a crescer. Resta torcer para que os tropeços de direção, roteiro e elenco não comprometam a força do material original. Se tudo correr bem, teremos uma grande novela, daquelas que fazem jus ao horário nobre.
Publicado na edição 10.918, de sábado a quarta-feira, 26 a 30 de abril de 2025 – Ano 100