
Cantarolar ao banho, assobiar ao caminhar pela calçada ou cantar uma canção de ninar para fazer o filho dormir são ações que fazemos quase que involuntariamente sem muito esforço nem atenção. É como falar ou dar risadas. Muitas pessoas possuem hábitos relacionados à música pelos mais variados motivos. Alguns fazem desse hábito seu trabalho profissional. Alguns outros, gênios por vocação, nos presenteiam com obras musicais magníficas que nos deixam alegres ou nos comovem profundamente.
Mas, de fato como surgiu a música? Como o homem e os animais transformaram e sistematizaram os sons da natureza em sons com significados de uma linguagem universal?
Para responder a essas e outras questões, recorremos a dois grandes nomes da literatura musical: Yehudi Menuhin e Curtis W. Davis. Juntos, eles escreveram um livro chamado “A música do homem”, editado pela Martins Fontes no Brasil. Esse livro, pode-se dizer, é uma verdadeira bíblia da música. A história ali descrita, apesar de densa, não é de forma alguma complexa ou eminentemente técnica. Está ao alcance de todos. E nos surpreende a cada parágrafo. Por exemplo, numa das passagens do livro descobrimos que provas antropológicas dão conta que o uso da voz para a produção da fala remonta a cerca de oitenta mil anos. Por sua vez, o canto surgiu cerca de meio milhão de anos antes.
Músicas e rituais
Alguns indícios arqueológicos indicam que o homem primitivo usava ossos, tambores e flautas muito antes da última Era Glacial, trezentos séculos atrás. Tais instrumentos eram utilizados supostamente em cerimônias e rituais. Os vestígios mais antigos de ferramentas específicas para fazer música vieram de escavações na Sibéria. Lá foram encontrados diversos artefatos, entre eles um osso de mamute com marcações dos locais onde conseguir as melhores ressonâncias, além de um osso entalhado como uma baqueta e duas pequenas flautas. Tudo indica que esses achados constituam um fragmento da mais antiga orquestra de que se tem conhecimento no mundo.
Os rituais, principalmente aqueles relacionados à conquista do alimento, sempre envolveram a música: desde o índio, que realizava grandes eventos de caça dos quais surgiam a música, passando pelos esquimós, que cantavam com orgulho o tamanho do enorme peixe apanhado, chegando à sociedade mais desenvolvida que criou a música em louvor aos seus líderes. De fato, observa-se que cada ritual tem a sua própria música: o nascimento, o casamento, a morte, a semeadura e a colheita.
Estendendo os ouvidos para a natureza, notamos que os animais também emitem sons em seus rituais, dizendo sempre “Estou aqui” ou “Eu sou eu”. Por eles (os sons), os animais se acasalam, lideram rebanhos, paralisam a presa, previnem seus semelhantes e se consolam mutuamente. Muitos nem utilizam os pulmões e as cordas vocais para emitir os sons. Por exemplo, o grilo usa as patas traseiras; o sapo, sua bolsa; os golfinhos e as baleias usam a aba que cobre seus orifícios de expiração. É certo que tanto os sons emitidos pelos animais como os sons emitidos pelos homens determinam indiscutivelmente as suas identidades.
A evolução musical
Seria pretensioso em apenas poucas palavras, descrever qualquer fase da evolução musical. Quisera então, descrevê-la em todo o seu contexto. Todavia, percebe-se claramente que a música floresceu conforme o desenvolvimento da sociedade: surgiram a harmonia, a ópera, a sonata e o concerto. Prosperou a música popular e a folclórica; a música cinematográfica e o jazz; a música tecnológica e o rock. E tantos outros estilos e ritmos sem fim.
Dizem que somos feitos corpo e alma. Mas, possivelmente, sejamos feitos música também.
Publicado na edição nº 10052, de 27 e 28 de outubro de 2016.