Abrindo as janelas do Universo

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Nunca o homem esteve tão longe de seus domínios terrestres como quando conseguiu olhar para o céu e enxergar um mundo completamente desconhecido e exuberante ao mesmo tempo. Conta a história que Galileo Galilei, astrônomo e matemático italiano, provavelmente foi o primeiro a fazê-lo de forma sistematizada através de um aparato tecnológico. O ano era 1609 e a cidade era Pádua, situada na região norte da Itália. Galileu estava convencido há muito tempo da teoria copernicana que propunha o heliocentrismo. Mas o fato de estar convencido não tranqüilizava seu espírito. Ele queria achar a prova da teoria de Copérnico; ele queria mostrar a todos que Aristóteles e sua teoria geocêntrica não tinham mais lugar naquele mundo infinito. A cúpula fixa do céu já não era mais tão fixa e tão baixa como propunham os escolásticos. Ele precisava abrir as janelas do universo e posicioná-las aos olhos do homem.
Mas como? Essa era a grande questão.

Em busca das provas
Veneza, cidade próxima à Pádua, era um grande centro comercial cuja posição geográfica estava na rota dos mercadores vindos da própria Europa, da Ásia e do Oriente. Galileu costumava freqüentar a cidade e numa dessas viagens, tomou conhecimento sobre a fabricação de lunetas (o nome telescópio foi cunhado somente em 1611) que estavam sendo realizadas na Holanda por um fabricante de óculos de nome Lippershey.
Galileu, através de seu conhecimento de óptica, entendeu o mecanismo de fabricação e logo se pôs a fabricar tais aparatos, aperfeiçoando-os a cada um que construía. Não foi difícil entender que aquelas lunetas teriam um valor comercial grande, e numa jogada de astúcia, em 25 de agosto de 1609 reuniu autoridades nos “campanili” de Veneza para observar o poder de aproximação de imagens de embarcações que chegavam ao porto da cidade. A apresentação foi um sucesso e Galileu teve o seu salário dobrado.
Mas o grande trunfo de Galileu não estava no fato de apontar as lunetas para os limites terrestres, mas sim para o infinito noturno do céu. Fazendo sistematicamente observações, Galileu conseguiria obter as tão propaladas provas do heliocentrismo.

As jóias celestes
Os relatos que Galileu fez de suas observações foram publicadas no livro “Mensageiro Sideral”. Primeiramente Galileu observou a Lua e teve uma grande surpresa ao ver que ela não era lisa e polida como afirmava Aristóteles, mas sim, “áspera e desigual, coberta por toda parte, tal como a superfície da Terra, de enormes saliências, vales profundos e abismos”. Em seguida observou Júpiter e fez nova e espetacular descoberta: Júpiter possuía quatro luas que o orbitavam, como que numa imitação miniaturizada do sistema solar. Pensou então: “um belo e elegante argumento para acabar com as dúvidas daqueles que, embora aceitando com tranqüilidade as revoluções dos planetas em torno do Sol no sistema copernicano, ficam muito perturbadas em saber que a Lua é a única que gira em volta da Terra…”.
Na continuação de suas observações, Galileu percebeu que Vênus apresentava fases como a Lua (cheia, nova, etc.) e concluiu que ele deveria girar em torno do Sol e não da Terra. Por fim, Galileu observou o conjunto de todo o universo do céu noturno, e tal foi a maior surpresa ao ver que ele era composto por incontáveis estrelas: “Podem-se ver pelo telescópio numerosas outras estrelas que escapam ao olhar desarmado, tão numerosas que chega a ser inacreditável”.
O telescópio e as longas jornadas de observação de fato forneceram informações preciosas e inéditas a Galileu, que se viu capacitado a reafirmar a teoria de Copérnico diante da opinião pública. Assim ele pensava, assim ele acreditava. Mas a opinião pública não estava preparada para aceitar Copérnico em detrimento de Aristóteles, ou aceitar o Sol em detrimento da Terra. Para a opinião pública as provas de Galileu não passavam de um sofisma sem base de sustentação concreta. Tudo deveria continuar como sempre havia sido: a Terra como centro do Universo. Galileu Galilei havia perdido a batalha.
Para a ciência e para a humanidade uma página tenebrosa da história havia sido virada. Outras, melhores, estariam por vir.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

Publicado na edição de nº 10423, de 31 de agosto a 3 de setembro de 2019.