Alguns ainda se lembram

José Renato Nalini

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Há trinta anos deixava esta fase terrena o carioca Antonio Carlos Jobim, que tanto influenciou nossa vida. A minha, vai além da melodia de “Se todos fossem iguais a você”, que foi tocada até em meu casamento, na Igreja do Perpétuo Socorro, cerimônia celebrada pelo Monsenhor Benedito Mário Calazans. Já me tocara a música “Retrato em branco e preto”, a inesquecível “Águas de Março”, até o incompreendido “Sabiá”.

Mas Tom se impôs quando se mostrou um ambientalista, muito antes de a ecologia se tornar o assunto mais importante do planeta. Ele sabia o nome de todos os pássaros da fauna brasileira, sabia imitar o som de seus trinados, pios e outras vozes canoras. Tanto que até fez um álbum, “Urubu”, em 1976.

Ele lamentava que a humanidade não respeitasse a natureza conforme seria necessário para garantir a continuidade da existência humana sobre o Planeta. Durante uma entrevista, em 1984, afirmou: “Tenho pouca esperança de que o Brasil se recupere. A gente luta muito, mas parece que é uma batalha perdida. O que é que o homem quer? Cortar o mato. Escravizar a mulher. Matar o índio. Tacar fogo em tudo. A gente tem uma civilização do fogo”.

Lamentava a tendência a “concretar” todo o solo disponível, que deveria servir para acolher o verde, para permitir a infiltração de água e realimentar os lençóis freáticos: “Cozinha-se a terra toda, depois a chuva vem e não penetra”. Foi até profético: “Eu acho que os homens querem destruir o mundo, e que vão conseguir. No dia em que chover enxofre, vai virar Bíblia, não é? Pode ser que a civilização seja muito avançada. Mas faz muita fumaça. É uma fumaceira subindo… Então, é a lenha, botar o mar para baixo, matar os pássaros, e depois, quando não houver mais árvores, é botar fogo no capim – se é que ele vai pegar fogo…”.

Vaticínios melancólicos de um poeta, de alguém que enxergava o mundo com os olhos d’alma, com o seu imenso coração. Milagre que alguns ainda se lembrem dele. Com o emburrecimento coletivo, com o fanatismo irado, com o cancelamento do que é bonito, suave, terno, sensibilidades como a de Tom Jobim são condenadas ao cruel ostracismo da era medíocre em que fomos lançados.

Tem de trabalhar duro

Confortador verificar que 80% dos brasileiros defendem a demissão de servidores por mau desempenho. A cada dez brasileiros, sete são favoráveis a uma reforma administrativa que mude a forma de avaliar o trabalho dos servidores. Metade dos entrevistados é contra promoções automáticas por tempo de trabalho.

Paira sobre o funcionalismo público aquela pecha nem sempre aplicável de “burocratas”, “folgados”, “relapsos” e ineficientes. Sabe-se que não é assim. Porém, o servidor público precisa ser um exemplo. Se acha que ganha pouco, deve deixar o funcionalismo e procurar outra colocação ou se tornar empreendedor.

O noticiário dissemina dados preocupantes. Há um exagerado crescimento de quadros funcionais, principalmente no governo federal, mas também no âmbito dos Estados e dos Municípios. Essa carga pesada onera o orçamento público e suprime otimização da capacidade de investimento.

Uma situação desfavorável do serviço público tupiniquim, comparado com o de outros países, é a questão da estabilidade. Aqui, 65% de todos os servidores têm estabilidade no emprego. Na Suécia, os estáveis não passam de 1%. É muito oportuna uma reforma constitucional, para que o Brasil possa levar a sério o princípio da eficiência, que foi incluído no caput do artigo 37 da Constituição da República e que nem sempre é observado em todos os âmbitos governamentais. A situação é a mesma no Executivo, no Legislativo e no Judiciário.

É mais do que urgente uma revisão conceitual do que deva ser o serviço público. A informatização, a digitalização e a utilização da eletrônica tornaram ociosas algumas funções, cujas carreiras devem ser extintas. Manter cargos inócuos, que podem ser substituídos pela tecnologia, é trabalhar contra o desenvolvimento nacional.

Com uma carga tributária que chega a 32,4% do PIB, uma das maiores entre os emergentes, não faz sentido que o Brasil não tenha um serviço público de excelência, às vezes contaminado por alguns poucos que dão mau exemplo, não trabalham, desestimulam os bons servidores e devem ser expelidos da Administração Pública.

Para servir à população, tem de trabalhar mais do que se estivesse na iniciativa privada. Tem de fazer por merecer. É o povo sofrido quem paga. Ele merece o melhor.

(Colaboração de José Renato Nalini, Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).

Publicado na edição 10.902, sábado a terça-feira, 8 a 11 de fevereiro de 2025 – Ano 100