Atualização do valor do patrimônio de pessoas físicas

José Mário Neves David

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Foi recentemente ventilada na mídia a informação de que a Receita Federal do Brasil (“RFB”) tem estudos em curso visando a atualização patrimonial de pessoas físicas, medida que acarretaria em aumento da arrecadação extraordinária de recursos ao Erário. Referida proposta de atualização conferiria aos contribuintes a possibilidade de atualização, ao preço de mercado, do valor histórico dos bens e direitos informados na Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (“DIRPF”), mediante o pagamento de uma alíquota sobre o incremento patrimonial. Algumas ponderações sobre o tema, contudo, são relevantes.
Por força do art. 17, inciso II, da Lei nº 9.249/1995 e do art. 8º da Instrução Normativa RFB nº 84/2001, os bens e direitos adquiridos por pessoas físicas após 31 de dezembro de 1995 não podem sofrer qualquer tipo de correção em seu custo de aquisição declarado na DIRPF, salvo em hipóteses específicas, tais como quando realizadas benfeitorias em imóveis (reforma, construção ou ampliação), hipótese em que o valor das melhorias poderá ser acrescido ao custo inicial do bem. Isto porque eventual ajuste do valor de aquisição afetaria diretamente a apuração e recolhimento do Imposto sobre a Renda (“IR”) devido sobre o ganho de capital apurado em eventual alienação dos bens e direitos declarados ao fisco federal – o ganho de capital é obtido da subtração do custo de aquisição do valor de alienação do bem ou direito, e um custo de aquisição inflado reduziria a base tributável pelo IR, sobre a qual incidem alíquotas progressivas de 15% a 22,5%.
Na proposta vocalizada há poucos dias por representantes do Poder Executivo federal, seria conferida ao contribuinte pessoa física a faculdade de atualização ao valor de mercado de seus bens e direitos declarados à RFB mediante o recolhimento de uma alíquota de 3% a 4%, incidente sobre a diferença entre o custo de aquisição histórico e o valor atualizado do bem ou direito. Em termos práticos, a oportunidade de atualização concederia ao contribuinte a possibilidade de escolha entre dois cenários: (i) a efetivação da atualização patrimonial, com o consequente “adiantamento” da tributação sobre o ganho de capital que será devido em eventual venda futura, mediante pagamento de uma alíquota reduzida; ou (ii) a não atualização patrimonial, isto é, a manutenção do custo de aquisição histórico, com o decorrente recolhimento do IR sobre o ganho de capital apenas se e quando concretizada a venda do bem ou direito, pelas alíquotas cheias (15% até 22,5%, a depender do valor do ganho de capital apurado). Tratar-se-ia, portanto, de uma decisão meramente financeira.
No entanto, a proposta, tal como divulgada pelos representantes do governo federal e publicada pelos meios de imprensa, chama a atenção em razão de algumas especificidades: (i) eventual cobrança de alíquota para atualização do custo de aquisição de bens e direitos representaria, caso efetivada sobre imóveis urbanos, verdadeira tributação sobre a propriedade, cuja competência foi outorgada pela Constituição Federal aos Municípios (IPTU), de forma que a cobrança dos percentuais pela União poderia ser considerada, sob esse enfoque, inconstitucional; (ii) o “adiantamento” do tributo sobre o ganho de capital beneficiaria, no geral, uma parcela reduzida e abastada da população, que possui reservas imediatas para pagamento em tempos de recessão da alíquota devida, na medida em que a maior parte das pessoas utiliza parcela da própria quantia obtida com a alienação do bem ou direito para recolher o IR devido sobre o ganho de capital apurado; (iii) a atualização, se implementada, fará sentido se for optativa e efetivada sobre os bens e direitos que o contribuinte planejadamente almeja alienar, não sendo atrativa, por exemplo, sua aplicação sobre o imóvel que o contribuinte pretende manter ao longo de sua vida, tal como sua residência ou um imóvel de veraneio; e (iv) o adiantamento de receitas – troca de uma receita incerta no futuro (IR sobre o ganho de capital em eventual venda) por uma certa, e menor, no presente (alíquota sobre a atualização do patrimônio) – pode até conferir um fôlego momentâneo às contas públicas, porém comprometeria eventuais receitas futuras, podendo ser questionado.
Como se percebe, a proposta, nos termos como comentada até o momento, poderia representar uma possibilidade ao contribuinte pessoa física para reduzir a tributação incidente sobre os eventuais ganhos de capital sobre bens e direitos que pretende alienar em algum momento da vida (planejamento tributário lícito). Nesse sentido, uma análise detalhada do patrimônio declarado cumulada com uma reflexão sobre os objetivos e retornos que se pretende obter com os bens e direitos declarados pode ser um bom ponto de partida para se definir se, caso implementada a proposta como até aqui debatida, é interessante, sob o ponto de vista tributário, realizar a atualização do custo de aquisição dos bens e direitos declarados na DIRPF.
Vale destacar, contudo, que a proposta é apenas o rascunho de estudo em curso, não havendo indícios, até o momento, de que e quando venha a ser implementada. Cabe aos contribuintes fazer as contas e aguardar os desdobramentos dessa proposição.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado em São Paulo-SP. [email protected]).

Publicado na edição 10402, de 12, 13 e 14 de junho de 2019.