Crime Nosso de Cada Dia

Rogério Valverde

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Como introito deste tema, necessário sabermos o conceito de crime para depois falarmos sobre nossos crimes de cada dia.

Assim, de acordo com o Art. 1º. do código penal, “Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”.

Temos ainda o conceito da doutrina que, apesar das nuances peculiares de cada escritor, em regra culminam no mesmo sentido, sendo crime todo “fato típico e antijurídico”.

Traduzindo para o bom e popular entendimento, crime é quando alguém desrespeita alguma regra de convivência que esteja prevista em lei. Simplificando ainda mais, eu só pratico um crime se alguma lei previr que aquilo que eu pratiquei é um crime, como por exemplo, matar alguém é crime porque existe uma lei (código penal) que diz ser proibido matar alguém. De outro ângulo, quando eu vou ao barbeiro e corto meu cabelo, não há crime, porque não existe lei dizendo que cortar o cabelo seja crime.

Dito isso, é comum as pessoas dizerem que nunca cometeram um crime e que nunca cometerão. Será?

Como já vimos que crime é tudo aquilo que a lei nos proíbe fazer, será que nunca cometemos crime, mesmo?  Nunca, por exemplo, falamos mal de alguém? E você pode se perguntar: mas falar mal de alguém é crime? E a resposta é sim, pois o Art. 139 do código penal prevê como crime, a conduta de “falar mal” de alguém. Confira. “Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”. É o crime de difamação.

Ou seja, difamar alguém nada mais é que você ofender a reputação da pessoa. Ainda assim, você pode querer justificar alegando que tudo que falou sobre a pessoa é a mais pura verdade. Ainda assim, o crime permanece, pois sendo verdade ou não, a lei prevê como crime e não cabe, no caso de difamação, provar que é verdade o que se falou. Quem nunca falou mal de alguém?

É claro que dentre as chamadas “fontes do direito”, ou seja, de onde brota o sentido de justiça, regras e tudo mais que possam influenciar na decisão do judiciário ao julgar um processo criminal, encontramos a fonte chamada “costume”. Esse tema daria uma dissertação de doutorado, mas vamos nos ater ao tema em questão: nossos crimes de cada dia. Os costumes revelam uma fonte importante para o universo jurídico criminal que torna aceitável a prática de algumas condutas que, apesar de ter lei dizendo que é crime, a pessoa que praticou aquela ação fica ilesa de qualquer responsabilidade, pois praticou um ato costumeiro na sociedade. Para exemplificar e deixar as coisas mais claras há no código penal o crime de lesão corporal, previsto no Art. 129 que diz “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”. Então, qualquer lesão à integridade física de alguém é crime, de acordo com a lei. E daí surge os costumes que afastam o crime por ser algo da nossa cultura, como, por exemplo, quando os pais lesionam um bebê recém-nascido para colocar brinco, quando alguém fura o nariz ou a orelha pra colocar piercing ou fazer uma tatuagem geram uma ofensa à integridade, mas todas essas condutas, apesar de serem crimes de acordo com a lei, não são passíveis de punição pois trata-se de costumes. Por isso, o conceito de crime como sendo conduta “típica” (aquela que se amolda ao que diz a lei) é complementada com a exigência de ser, além de típica, também “antijurídica” e é aqui que o costume entra.

Então, já praticou seu crime de cada dia hoje?

(Colaboração de Rogério Valverde, advogado, secretário municipal de Segurança de Bebedouro).

Publicado na edição 10.819, de quarta-feira a sexta-feira, 7,8 e 9 de fevereiro de 2024