Em primeiro lugar, registro meus parabéns para a Gazeta de Bebedouro pela fantástica marca de 100 anos! Como muito bem colocado na edição especial do dia 6 de junho pelos competentíssimos colegas colunistas, temos o privilégio de contar com uma “Simpática Senhora Centenária” como parte importantíssima do meio ambiente cultural de nossa cidade e região, e um marco na imprensa em nível nacional. E, todos desejamos, que essa querida Senhora mantenha seu vigor para os próximos 100 anos, pois já é parte do patrimônio imaterial do nosso município e comunidade.
Na véspera do aniversário da Gazeta, o mundo comemorou o “Dia Mundial do Meio Ambiente”. A cada ano, a ONU elege uma temática central para a data, sendo a escolha de 2024 a restauração de terras, desertificação e resiliência à seca. Não por acaso, os tópicos escolhidos guardam relação com atividades humanas, diante da importância de uma relação mais sadia da humanidade com a terra.
Pode parecer um tema distante para nossa realidade local e regional. No entanto, já se estuda há algum tempo no Brasil os efeitos de um processo análogo à desertificação da Amazônia. Conhecido como “savanização” (literalmente, uma transformação do bioma amazônico em um bioma savana), esse processo tende a aumentar os períodos de seca na região, impactando a disponibilidade hídrica na região central do país, abastecida pelos rios amazônicos.
Não bastasse, para ficar em uma consequência que nos afeta mais diretamente: a mudança no regime de chuvas em boa parte do país, inclusive na nossa região. O fenômeno conhecido como rios voadores envolve uma complexa movimentação cíclica de grandes volumes de vapor d´água, sobre todo o continente Sul-americano.
De forma bastante resumida, esse ciclo de rios voadores se posiciona sobre o continente, girando em sentido anti-horário, desde a parte equatorial do Oceano Atlântico até a Amazônia, e, depois, da Amazônia até o litoral sul-sudeste do Brasil, passando pelo cone sul do continente, fechando esse ciclo. Esse fenômeno tem, por isso, conexão direta com regiões de destacada produção agrícola, como a de Bebedouro, além de servir como uma das fontes de abastecimento do pantanal e dos aquíferos do continente. E pode ser impactado negativamente com o avanço do desmatamento e o citado processo de savanização.
Na temática ambiental, todos os assuntos estão relacionados. E, sem dúvidas, a restauração de terras, a desertificação e a resiliência à seca estão ligadas ao desenvolvimento de atividades agropecuárias. Quer dizer: a forma como as atividades agrícolas são desempenhadas afetará o solo, a disponibilidade de água (até mesmo para a própria atividade), e, conforme a dimensão, pode contribuir para a transformação do equilíbrio ecológico em grande escala.
Cada vez mais os estudos e as normas legais apontam para a necessidade de uma coexistência sustentável e harmoniosa entre produção agrícola e proteção do meio ambiente. E, em particular, no que diz respeito ao uso da terra, há o que se comemorar.
Dados da Embrapa apontam que, em 2021, havia quase 6 milhões de imóveis rurais cadastrados junto ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), representando uma área protegida equivalente a quase 30% do território nacional. Também há dados a indicar que as áreas preservadas em propriedades privadas chegam, em média, a quase 50% da totalidade dessas áreas.
Ainda que seja um número médio (e considerando que os níveis impostos pela lei variam de 20% a 80%), pode ser visto como uma boa evidência de que os proprietários rurais, em sua maioria, são cientes dos deveres de preservação. E cientes que uma propriedade preservada é mais equilibrada até mesmo em termos de produção.
De fato, o mundo mudou desde que a primeira edição da Gazeta de Bebedouro foi às ruas, em 6 de junho de 1924. Estima-se que o mundo contava com dois bilhões de habitantes naquela época, e no Brasil habitavam pouco mais de 34 milhões de pessoas. Hoje somos, só no Brasil, mais de 200 milhões, e mais de sete bilhões no mundo. Há, portanto, muito mais pessoas a se alimentar, e atualmente já se tem a noção de que os recursos naturais não são, todos, infinitos. Há que se fazer mais, com mais cuidado. E os produtores são peças-chave nesse intrincado quebra-cabeças.
(Colaboração de Gabriel Burjaili, bebedourense, advogado e professor).
Publicado na edição 10.850, de sábado a terça-feira, 15 a 18 de junho de 2024