Herança Racista

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Rogério Carlos Fábio

Recentemente acompanhamos mais um triste episódio envolvendo manifestações racistas por parte dos torcedores brasileiros. Durante o jogo entre Santos e Grêmio, o goleiro santista Aranha foi duramente ofendido com palavras racistas. Apesar da reclamação e revolta do goleiro, o árbitro mandou o jogo seguir, o que deixou todos transtornados. O ataque contra Aranha foi parar na Justiça Criminal e Esportiva e o Grêmio corre risco até de ser excluído da Copa do Brasil. Dez torcedores foram identificados, dois eram sócios do clube e foram expulsos dos quadros do Grêmio.
Outro caso que chamou a atenção nos últimos dias ocorreu na cidade mineira de Muriaé, onde um jovem casal foi hostilizado após publicar uma foto em uma rede social. Na foto, um adolescente branco abraça a namorada negra. A imagem gerou uma enxurrada de comentários racistas. Espantosamente as denúncias de racismo no Brasil dobraram nos últimos anos.
O racismo se origina como uma estratégia de diferenciação numa sociedade na qual as próprias estruturas e a própria organização social não mais se incubem de estabelecer diferenças e separações entre as diferenças. Podemos compreender que a questão principal do racismo não é o medo do diferente, mas o medo do igual.
O imaginário europeu, durante a Idade Média foi constituído pela existência de seres fantásticos que lhes geravam medo e fascínio. A África e a Ásia eram descritas como lugares que eram habitadas por raças monstruosas, homens com um pé só e com orelhas enormes, seres com o rosto no peito. Esse mundo fascinante também era demoníaco, com um diabo pintado de preto, pois o preto era a cor do mal e da depravação humana. Os europeus não podiam entender que houvesse povos portadores de uma outra cor e isso lhes causavam grande inquietação.
O primeiro olhar do europeu em direção ao negro é do exotismo e de indiferença. O negro é visto como o outro do branco e causa a este uma sensação de estranhamento e terror, era de acordo com o pensamento neoplatônico, ser inferior e estranho. Essa visão foi reforçada pelos mitos e pelo exotismo, que oscila entre fascínio e repudio, sendo que na forma deste último a identificação do negro como demônio causa terror.
Os negros ainda eram vistos como apóstatas, ou seja, resistiam em salvar suas almas adotando o Cristianismo. Sendo vistos como inferiores, os negros podiam ser submetidos à escravidão. Esta era vista como uma boa ação e uma forma de salvar-lhe as almas. Portanto, percebe-se que a configuração do negro e as desculpas para o tráfico de escravos serviam aos interesses escravistas, que acentuaram o lado bárbaro dos negros e seu paganismo.
Vale lembrar que no Brasil o fim da escravidão aconteceu no dia 13 de maio de 1888. Após quatro séculos de escravidão, tortura e maus-tratos, os negros estavam libertos perante a lei. Porém, o racismo continua presente em várias situações cotidianas, resultado de um processo de mão-de-obra barata e exploração dos colonizadores sobre os colonizados. Existe uma relação muito próxima entre racismo e escravidão, baseados em interesses econômicos e sociais da população branca e européia que resultava em poder e superioridade.

(Colaboração de Rogério Carlos Fábio, ator, pós-graduado em História, Cultura e Sociedade, graduando em Pedagogia e Professor de História na Rede Estadual de Ensino de São Paulo).