
A mídia noticia o que interessa. Como o ser humano é no fundo um maledicente, que presume a má fé e gosta de escarafunchar a vida alheia, o que merece repercussão, no mais das vezes, é a tragédia. Aquilo que era assunto policial está nas manchetes. E o bem, quase não merece espaço na chamada “mídia espontânea”.
Todavia, a Constituição da República previu um compromisso ético para as comunicações. Elas têm o dever de “formar”, além daquele ínsito à sua vocação de “informar”. Conselhos instituídos para acompanhar o cumprimento dessa missão fundante nem sempre funcionam. Isso faz com que a população que lê – é cada vez mais escassa – venha a se acostumar com o exótico, o feio, o desalentador. Tudo aquilo que fortalece a crença de que a Humanidade é um projeto fracassado, do qual o próprio Criador se arrepende.
É urgente que se amplie o espaço para as boas obras. Para aquilo que já serviu de exemplo e que em tempos terríveis como os que nos reservaram vivenciar, são ridicularizados, eis que o mal parece predominar.
Enquanto os detentores de poder não se curvam à evidência de que o planeta está sendo sacrificado, pequenos gestos podem fazer a diferença. Nunca se esquecer de que o político é um servidor, que deve prestar contas à cidadania de seus atos, é tarefa de que a lucidez deve se encarregar. Sem isso, nunca se alcançará a chamada Democracia Participativa com que o constituinte acenou em 1988.
Há muita gente de bem que se preocupa com o futuro. Pensa naquilo que as crianças de hoje sofrerão, se nós não pusermos cobro à insensatez reinante. E com sua ação, muita vez anônima, dão lições que não chegam a manchetes, mas que precisam ser disseminadas, até para cooptar adesões e práticas análogas. Ou para suscitar a criatividade de quem quer fazer algo, mas fica apenas na intenção.
Vou focar apenas um exemplo: Hélio da Silva, hoje aposentado, se autodefine como “plantador de árvores”. Sozinho, plantou vinte e cinco mil árvores nos últimos quinze anos, junto ao córrego Tiquatira, em Itaquera.
A zona leste da capital é uma das menos providas de verde. Ainda há pouco, divulgou-se pesquisa comprobatória de que a poluição causada pelos combustíveis fósseis encurta a vida dos brasileiros em dois anos e meio. Por isso é que atitudes verdadeiramente apostólicas, generosas, patrióticas, quais a desenvolvida por Hélio da Silva, assumem relevância singular.
O mais importante é que Hélio escolhe espécies típicas da Mata Atlântica: aroeiras, jatobás, massarandubas, dez tipos de ipê, mais de quinhentos jequitibás. A cada doze árvores, uma é frutífera. Com isso, devolve-se o alimento aos pássaros que foram expulsos do deserto e sobrevivem como podem na cidade cruel.
A capital paulista sofre hoje com a criminosa ação daqueles que optaram pelo carro, o veículo mais egoísta que existe, sepultando centenas de córregos para asfaltar a metrópole. Com isso, geram as enchentes, as inundações, além de piorar a qualidade de vida dos resistentes moradores.
Dia virá em que o bom senso e a necessidade obrigarão ao “caminho de volta”: eliminar o asfalto, tentar reverter o delito urbano e ambiental, devolver espaço aos córregos. Não é provável, diante do retrocesso ecológico hoje experimentado. Mas não é impossível.
Não custa sonhar com a prevalência da racionalidade humana.
(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Uninove, autor de “Ética Geral e Profissional” e Presidente da Academia Paulista de Letras).
Publicado na edição de nº 10424, de 4, 5 e 6 de setembro de 2019.