Novos tempos

José Mário Neves David

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A pandemia da Covid-19 trouxe inúmeras mudanças para a vida das pessoas e para a sociedade como um todo. Afora as questões de saúde pública e as lamentáveis mortes que ainda vêm ocorrendo, em número muito superior ao que podemos suportar, é inegável que a pandemia implementou mudanças significativas na rotina pessoal e profissional das pessoas. Há muitas perguntas ainda sem resposta acerca do que virá, mas certamente uma certeza já se faz presente: o “normal” pós-pandemia será diferente do “normal” de outrora.
No campo pessoal, as pessoas se viram, de uma hora para outra, praticamente obrigadas à reclusão involuntária, seja para autoproteção, seja para proteger os demais. Obviamente, alguns não puderam se dar ao luxo de ficar em casa, precisaram continuar saindo – e se expondo e expondo os seus – aos riscos da pandemia em nome da sobrevivência financeira. A maioria, contudo, ficou em casa, e lá se deu o novo cotidiano: compras pela internet, aumento na demanda por entretenimento via sistemas de streaming, filhos permanentemente em casa, educação 100% à distância, “terceiro turno” com os filhos pequenos que demandam atenção e cuidados constantes, dentre outras questões. Apesar da existência de problemas decorrentes da reclusão, por outro lado as pessoas estão mais próximas dos entes queridos, o vínculo familiar, no geral, foi reforçado, e há mais tempo para as coisas que importam na vida, ainda que a um custo alto para alguns.
Na seara profissional, as mudanças são ainda mais impactantes, para empregados e empregadores. Principalmente nos grandes centros, com todos os seus problemas de locomoção e sensação constante e diária de perda de preciosos minutos de vida no trânsito, no metrô, no ônibus, agora as pessoas podem trabalhar de casa (parcela relevante delas, ao menos), ganhando mais tempo de sono, de convivência familiar, de tempo para si próprias. Com uma internet ao menos razoável, um laptop e um telefone celular, muitas pessoas conseguem trabalhar do sofá de casa. Já para as empresas, descobriu-se, de forma repentina, que (i) não é necessário ter todos os colaboradores confinados em um prédio, oito horas por dia, cinco vezes por semana, para que os resultados sejam alcançados e as metas, batidas; e (ii) com as pessoas trabalhando em casa, os custos com aluguel e manutenção de espaços, energia elétrica, limpeza, locomoção, dentre outros custos fixos, caíram drasticamente, reduzindo as despesas e favorecendo a obtenção do lucro. Certamente, algumas atividades ainda dependem substancialmente do contato pessoal e do trabalho em equipe, porém, com pequenos ajustes, é possível manter o trabalho remoto na maior parte do tempo. Nada mal para todos, não?
Nesse contexto, fica claro que algumas mudanças decorrentes da pandemia, essa ingrata, vieram para ficar na vida e no trabalho das pessoas. O comércio eletrônico, o sistema de delivery, a compra por celular, o uso de contas digitas e do cartão de crédito em detrimento do dinheiro em papel devem ganhar cada vez mais espaço na rotina das pessoas; as reuniões virtuais, no início estranhas mas hoje já mais corriqueiras, deverão ganhar maior proeminência (por que preciso gastar tempo e dinheiro em viagens para visitar clientes se posso fazer o mesmo de forma virtual?); os escritórios corporativos deverão diminuir de tamanho, se tornando hubs para encontros esporádicos de equipes e reuniões com clientes que demandem a presença física; o custo de vida para alguns profissionais, ao menos por ora, deve ser reduzido, na medida em que não mais precisarão estar presencialmente o tempo todo nos grandes centros e lá mantendo estruturas de apoio, já que poderão morar em cidades com custo de vida menor, ganhando igual salário. Grandes mudanças que, aos poucos, vão sendo assimiladas.
Só o tempo dirá o que efetivamente ocorrerá, porém é certo que estamos vivendo novos tempos, não apenas do ponto de vista da saúde, mas também, e principalmente, sob o aspecto social e profissional. O “novo normal” já está entre nós.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e administrador de empresas. Contato: [email protected]) .

 

Publicado na edição nº 10514, de 29 de agosto a 1º de setembro de 2020.