O Brasil passou por pelo menos dois processos de branqueamento de sua população. Um aconteceu ainda no governo imperial de dom Pedro II, que não via com bons olhos uma população brasileira formada por cafuzos, mamelucos e mulatos. Tanto que trouxe para o país cerca de seis milhões de imigrantes europeus. Durante algum tempo acreditou-se piamente que tal processo atingiria seu objetivo, mas no fim das contas o Brasil gerou uma população com gradação de pele contínua que ia do loiro de olhos azuis ao negro com traços africanos.
Mais de 70 anos depois, Getúlio Vargas em plena ditadura do Estado Novo, voltou com a ideia do branqueamento, desta vez, impedindo que determinadas etnias recebessem o visto de entrada no país.
A porteira diplomática
De acordo com o historiador da Universidade Federal Rural Fluminense, Fábio Koifman, o Serviço de Visto alocado entre 1941 e 1945 ao Ministério da Justiça, se tornara o responsável pelos pareceres de entrada de imigrantes no Brasil. Através de seu titular, o jurista Francisco Campos, e do parecerista Ernani Reis, o Ministério tinha a palavra final sobre quem entrava e quem era barrado antes mesmo de sair do país de origem.
Ambos, respaldados pelo patrocínio do presidente Vargas e da elite brasileira, eram simpatizantes aos ideais eugênicos que levaram os Estados Unidos a esterilizarem milhares de cidadãos americanos considerados ineptos e a Alemanha nazista a promover a solução final matando mais de seis milhões de judeus em países da Europa durante a Segunda Guerra Mundial.
Embora aqui no Brasil não se tenha levado a cabo situações massivamente radicais como em outras nações, a ideia de se construir um país com população ideal (branca, católica e apolítica) permeou as ações do governo dividindo as pessoas que solicitavam visto de imigrante em “desejáveis” e “indesejáveis”. Foi assim que surgiu o decreto-lei 3.010 de 1938 que obrigava o solicitante do visto a se apresentar pessoalmente ao cônsul para que fosse verificada a veracidade das características pessoais.
Antes mesmo, em 1934, a bancada eugenista no congresso armou esquemas de seleção de imigrantes que barravam ostensivamente os japoneses que aqui queriam entrar. Ao longo dos anos do Estado Novo também fizeram parte do grupo de indesejáveis os judeus, os negros, os idosos e os deficientes. A grande maioria dos solicitantes recebia indeferimento em seus pedidos encaminhado pela diplomacia brasileira.
Exclusão silenciosa
Embora as ações de indeferimento aos indesejáveis fosse prática de governo, o assunto jamais era divulgado ou oficializado fora do Ministério da Justiça ou do Itamaraty. Vargas não admitia ações racistas dentro do território nacional e não queria um Estado Novo promovendo e reproduzindo esse tipo de conduta. Ademais, a nação que fosse rotulada de racista estaria em linha com a Alemanha nazista, um equívoco moral em anos de guerra.
Nesse cenário de restrições e confidencialidades torna-se impossível contabilizar os excluídos, que na ânsia de deixar sua terra natal diante das ameaças da guerra e da pobreza, foram renegados pelo governo brasileiro.
O fato é que, como havia ocorrido com dom Pedro II e sua instância eugênica de segregação, Getúlio Vargas e os seus fiéis seguidores fracassaram categoricamente com o objetivo de transformar a população brasileira em uma população ideal e pura de alma branca. Afinal, categorizar e segregar um povo pela simples cor da pele não foi e nunca será uma marca moral de civilidade, principalmente se utilizar a ciência como base de justificativa. Os genes que o digam!
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Leia mais na edição nº 9827, dos dias 9 e 10 de abril 2015.