O desperdício, a fome e o meio-ambiente

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Em setembro de 2013 a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – publicou o seu primeiro estudo sobre o desperdício alimentar a partir do ponto de vista ambiental. A ideia foi explicar como os números do desperdício impactam negativamente nos números da sustentabilidade do planeta, em que se pese o clima, o uso da água, o uso do solo e a biodiversidade. Sabe-se que um terço dos alimentos mundialmente produzidos se perde antes de chegar aos consumidores. Ou seja, cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos vão diretamente para a lata do lixo.
Essa perda representa, no mínimo, ignorar a oportunidade de mitigar os impactos ambientais gerados pela agricultura. Lembremo-nos de que até 2050, se mantidos os índices atuais de crescimento populacional, será necessário um aumento de 60 por cento na produção de alimentos em comparação ao triênio 2005/2007. O que se vê pela frente é um grande desafio.

Características do desperdício

De acordo com a FAO, 54% do desperdício de alimentos se dão nas primeiras etapas da produção com a manipulação e armazenamento pós-colheita. Os outros 46% ocorrem nas etapas de processamento, distribuição e consumo. Se fôssemos fazer uma divisão mais específica, teríamos o seguinte cenário do desperdício: 10% no campo; 50% no manuseio e transporte; 30% na comercialização e abastecimento; 10% no consumo.
No Brasil, especificamente, são desperdiçados todo ano mais de 26 milhões de toneladas de alimentos, mais da metade em hortifrútis. O Instituto Akatu, organização não governamental que trabalha pela conscientização e mobilização da sociedade para o consumo consciente, fez uma pequena simulação de custos com o desperdício alimentar. Se uma família média brasileira que gasta cerca de 478 reais mensais para comprar comida deixasse de desperdiçar 20% de alimentos em casa, conseguiria economizar 90 reais mensais. Em 70 anos a família teria poupado cerca de 1,1 milhão de reais.
Um outro exemplo trata da casca da banana. De acordo com a Water food print 2011, para se produzir 1 kg de banana são utilizados 500 litros de água. A casca corresponde de 30 a 40% do peso. Ao jogarmos fora sua casca, estamos desperdiçando até 200 litros de água, o que daria para tomar 15 banhos de 5 minutos.
O desperdício alimentar gera um rombo na economia mundial da ordem de 750 bilhões de dólares anuais, consome cerca de 250 quilômetros cúbicos de água e ocupa cerca de 1,4 bilhão de hectares de terra.

O paradoxo da insegurança alimentar

Dados da FAO indicam que, pela primeira vez desde que os índices relacionados à insegurança alimentar começaram a ser publicados, o número de famintos no mundo ficou abaixo dos 800 milhões. Mais da metade dos países em desenvolvimento conseguiram atingir a Meta do Milênio de reduzir à metade os números da fome entre os anos de 2000 e 2015. Um progresso relevante ocorreu na América Latina e na Ásia, apesar de a África subsaariana ainda manter um percentual alto, cerca de 23,3% de famintos.
Embora a notícia da queda da fome seja boa, não podemos comemorar. Temos que nos manter inconformados com esse cenário, pois é inconcebível para um povo dito civilizado aceitar 800 milhões de famintos e ainda por cima participar da festa do desperdício de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos. Nós mesmos aqui no Brasil ainda convivemos com quase 14 milhões de famintos, e observe que não vivemos em cenários de conflitos e guerras como ocorre em alguns países da África ou Oriente Médio.
É imperativo que comecemos a tomar consciência dessa verdadeira barbárie. Primeiro, para evitarmos fortemente o desperdício e o desgaste do meio-ambiente; segundo, para exterminarmos os canalhas de colarinho branco que estão solapando o nosso país e sequer têm vergonha na cara de manter e conviver com esse cenário degradante da miséria da fome.
Caso o leitor se interesse pelo sumário do relatório publicado pela FAO em 2013, acesse o link http://www.fao.org/docrep/018/i3347e/i3347e.pdf. Sejamos cidadãos conscientes.

(…)

Leia mais na edição nº 9900, dos dias de 8 e 9 de outubro de 2015.