Quem quer ser um cientista?

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Realizei o meu primeiro teste de aptidão profissional quando estava no colegial através da orientação da professora Eunice Simões. Na época a professora utilizava um questionário e outras ferramentas que ajudavam a revelar o talento de cada aluno, o que seria fundamental no futuro que se aproximava com a difícil decisão para a escolha da carreira a ser empreendida.
Se bem me lembro, uma das minhas vontades era ser cientista, embora, confesso, não sabia muito bem o que isso significava e nem qual seria o caminho para sê-lo. Acredito que as repercussões da viagem do homem à Lua e das explorações espaciais tiveram grande influência nesse sonho, que em parte se realizou com as minhas pesquisas de mestrado e doutorado.
Mas, o sonho de ser um cientista, que naquela ocasião já era uma fantasia pautada pela exceção, ao longo dos anos diminuiu sensivelmente seu ímpeto de penetração nas mentes dos mais jovens. Fenômeno mundial, as ciências básicas como a biologia, química, física e matemática deixaram de cativar a curiosidade das crianças, que paradoxalmente se veem imersas na tecnologia – fundamentada pela ciência – quase vinte e quatro horas por dia.

Resultados pífios

Com dados levantados entre 2008 e 2010, o Observatório Ibero-americano de Ciência, Tecnologia e Sociedade (Ryct/Cyted) desenvolveu uma pesquisa denominada Los Estudiantes y la ciência, a qual tratou da relação íntima entre os jovens e a ciência. Foram consultadas cerca de 9 mil escolas em sete capitais da América Latina e Espanha: São Paulo, Buenos Aires, Lima, Assunção, Montevidéu, Bogotá e Madri. Os resultados não poderiam ter sido piores para a ciência: mais de 97% dos alunos se disseram desinteressados em seguir carreira cientifica.
Os motivos que levam ao desinteresse recaem principalmente sobre a dificuldade das ciências naturais e exatas, embora muitos também as achem chatas e de difícil empregabilidade (poucas opções para carreira profissional).

Um ciclo vicioso

Enquanto alguns fatores despontam como motivadores para os menos de 3% daqueles que gostariam de seguir uma carreira científica e de laboratório, como viajar muito, trabalhar com novas tecnologias, descobrir coisas novas, solucionar problemas da humanidade e avançar o conhecimento, a grande marca desmotivadora apresenta-se pela frágil didática das ciências em sala de aula. Na realidade, uma grande ironia, pois são os atuais professores desestimulados, mal remunerados, mal preparados e mal instrumentalizados os principais responsáveis por induzir uma melhora na aceitação das ciências, perfazendo sorrateiramente um ciclo vicioso inibidor na formação dos potenciais futuros cientistas.

Informando-se sobre a ciência

A televisão ainda continua a ser o melhor instrumento que leva ao jovem o conhecimento da ciência, principalmente quando são tratados temas como natureza e vida animal. Depois da TV surge a Internet e na sequência a ficção científica divulgada em livros, filmes, HQs e games.
Embora fora do escopo da pesquisa, sabe-se que o estímulo dos pais em casa é outro precioso instrumento de motivação para as crianças e jovens. Quando os pais leem ou se interessam pela ciência, visitando museus, jardins botânicos ou mesmo institutos de pesquisas abertos ao público, os filhos são comumente contagiados a tal ponto de seguirem suas próprias pegadas em direção à ciência, fomentando um futuro de boas relações.
Para um país como o nosso, que hoje detém séria defasagem educacional, deixar de estimular as crianças e os jovens para a realidade científica poderá colocar na berlinda o futuro da própria sociedade, aumentando ainda mais a nossa dependência tecnológica perante o mundo desenvolvido, bem como o tamanho da já enorme fossa social, a qual estamos inseridos.

Publicado na na edição nº 9741, dos dias 4 e 5 de setembro de 2014.