Sacrifício em favor do interior

Medidas adotadas pelo Estado de São Paulo retardam em até três semanas, a disseminação de casos do novo coronavírus nas cidades do interior.

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Ilustração da pesquisa "Rotas e riscos da Covid-19 no interior paulista", da Unesp em Presidente Prudente e Botucatu. (Divulgação)

Três semanas. Este é o período calculado pela pesquisa “Rotas e Riscos da Covid-19 no interior paulista”, realizada por pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Presidente Prudente e Botucatu, sobre a disseminação do novo coronavírus no interior paulista.
Os dados mostram que os números registrados na capital e em regiões metropolitanas como Campinas, Sorocaba e Baixada Santista, estão até 21 dias atrás das cidades interioranas.
“Este é um número, digamos grosseiro, porque diz respeito às cidades que não estão próximas em contiguidade com São Paulo, evidentemente que Campinas, Santos e São José dos Campos, que têm proximidade bem maior, estão apenas alguns dias atrás da capital, em termos de situação epidemiológica”, explica o professor Carlos Magno Fortaleza, da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu e integrante do Centro de Contingência do coronavírus em São Paulo, completando: “É evidente que, a excelente ação de isolamento que São Paulo faz, é a responsável por este respiro, para melhor preparação do interior”.
De acordo com o professor titular do departamento de Geografia, da Unesp em Presidente Prudente, Raul Borges Guimarães, se por um lado, a capital concentra mais da metade dos casos da Covid-19 no Estado, por outro, o interior enfrenta outro tipo de problema: menos acesso a hospitais e equipamentos.
“Quem mora em uma cidade com zero casos e se desloca para um município maior para trabalhar, estudar ou fazer compras está ajudando a disseminar o vírus em sua cidade. Os municípios menores estão longe dos hospitais, com menos acesso a equipamentos”.
Para Fortaleza, há dois padrões de dispersão no eixo do novo coronavírus. “A co-vizinhança, na qual chamamos de metrópole ampliada da Grande São Paulo, que inclui as regiões de Campinas, Baixada Santista, mais especificamente Santos e as cidades ao redor. O outro inclui as cidades ligadas em grandes eixos rodoviários a São Paulo, como Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Bauru, Araçatuba, Araraquara, Presidente Prudente. Estes municípios estão em grande risco, seja pela grande comunicação com São Paulo, seja por serem cidades com densidades demográficas razoáveis. Isto facilita a transmissão do vírus, por isso, este dado é de extrema importância”.
De acordo com o professor, cidades com densidades demográficas maiores têm responsabilidade maior que as demais, que é proteger as cidades pequenas da disseminação da Covid-19. “Municípios como Bauru, Araraquara, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, entre outras, são importantes para deter o avanço do vírus, pois são polos regionais do interior, sendo responsáveis não apenas pela sua saúde, mas também pela saúde dos municípios ao seu redor”, afirma Fortaleza, alertando que o oeste paulista tem o maior número de idosos do estado. “Esta é justamente a população mais frágil, mais suscetível, e a região está afastada dos grandes centros”.
Em entrevista exclusiva a Gazeta, Fortaleza menciona que desde o momento em que apresentou a pesquisa “Rotas e Riscos da Covid-19 no interior paulista” houve poucas alterações. “Os dados estão sempre sofrendo pequenos ajustes, mas nenhuma alteração que demostrasse que estamos errados quanto às previsões iniciais. Uma cidade acaba crescendo mais rápido do que o previsto nos números de casos, como São José do Rio Preto, que teve casos muito precocemente. Entretanto, em grosso modo, a presunção no interior é hierárquica, começando nas cidades maiores e passando para as menores”.

Como tudo começou
Segundo Fortaleza, a ideia do radar Covid-19 surgiu naturalmente quando o novo coronavírus começou a circular pelo país e reforçou-se quando foi registrado o primeiro caso em São Paulo. “Queríamos entender exatamente como teríamos a distribuição e disseminação do Sars-CoV-2, o vírus da Covid, nas cidades do interior. Como a Unesp é uma universidade sempre presente no interior paulista, sentimos a necessidade de dar respostas para as sociedades destas regiões. Unimos pessoas que trabalham com Ciências da Computação, Física, Medicina, Geografia e começamos a trabalhar as hipóteses de como as pessoas se deslocam dentro do Estado. Com isso, criamos um modelo e, posteriormente, fomos calibrando os dados identificados de casos, internações por pneumonias graves e outros dados do tipo, ficando bastante claro que, o coronavírus segue exatamente as grandes rotas de mobilidade da população dentro do Estado”.
“E, para traçarmos este período de três semanas do interior atrás dos números registrados na capital e em regiões metropolitanas, utilizamos o critério da elevação da curva de casos, desde quando inicia o diagnóstico, após o que acontece na Capital, dependendo da proximidade da cidade”, enfatiza o professor e pesquisador.

Pesquisas
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, pesquisas estão em desenvolvimento sobre a atual situação da disseminação do novo coronavírus. Uma delas concentra-se na análise de dados de redes sociais, e a outra na análise de dados de rumores.
Em redes como o Twitter, a análise de postagens pode ajudar a encontrar possíveis novos focos de disseminação de Covid-19. O mapeamento dos dados oficiais é um trabalho que envolve a checagem das bases de informação e elaboração de representações cartográficas tecnicamente mais adequadas.
Os tuítes são selecionados e analisados diariamente de acordo com a relevância para ajudar na busca por focos de contaminação, assim como os mapas temáticos permitem visualizar a distribuição espacial dos dados de localização das postagens.

Isolamento
O professor da Faculdade de Medicina da Unesp, Carlos Fortaleza, ressalta que a “contenção” do número de casos no interior pode “explodir”, casos os moradores não respeitarem o isolamento social.
“As medidas tomadas até o momento mostram que o isolamento social está funcionando, está conseguindo frear o processo. Minha principal recomendação continua sendo o: ‘fique em casa’. Infelizmente, não temos vacinas, nenhuma medicação até o momento se mostrou realmente eficaz e, o que temos, principalmente, quando falamos em duas ou três semanas atrás da capital, estamos muito preocupados com o esgotamento dos leitos hospitalares, principalmente os de UTI”.
O integrante do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo enfatiza que o isolamento tem sido bem sucedido. “Tanto que diminuiu a velocidade do crescimento dos casos na Grande São Paulo e protegeu muito o interior, porque uma coisa é São Paulo mandar para Araçatuba cinco pessoas doentes, outra coisa, é enviar 50 doentes. O que acontece na capital repercute no interior. O isolamento do interior tem evitado que vivamos situações terríveis como as vistas em países como Suécia e Equador, que são tão diferentes, mas vivendo a mesma situação e em locais do Brasil, como Manaus, onde a situação está extremamente caótica. Se, hoje, não temos isto no Estado do São Paulo, é porque o isolamento está sendo eficaz”.
Para Fortaleza, a retomada econômica deve ser feita com critérios. “Devemos temer as reaberturas sem critérios. É necessário que, em algum momento, voltemos à vida normal, mas se fizermos isso sem critério podemos ter uma segunda onda da mesma pandemia, a exemplo, do que aconteceu na gripe espanhola, sendo ainda mais mortal que a primeira. Esta é a grande preocupação dos especialistas, por isso, é preciso fazê-la com bastante responsabilidade e ponderação”, pontua o professor, afirmando que a normalidade igual à que vivemos no ano passado, será possível “apenas dentro de vários meses”.

Centro de Contingência
Criado no final de janeiro para monitorar e coordenar ações contra a propagação do novo coronavírus em São Paulo, o Centro de Contingência do Estado está sob o comando do infectologista David Uip.
A Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo designou o HC (Hospital das Clinicas) de Ribeirão Preto, unidade campus da USP, como referência para o atendimento de casos graves do coronavírus (Covid-19), em São Paulo. Também no interior, o HC de Campinas (Unicamp), o Hospital de Base de São José do Rio Preto também estão preparados para recepcionar os casos. Na capital, as referências serão Hospital das Clínicas de São Paulo e Instituto de Infectologia Emílio Ribas, e no litoral, o Emílio Ribas II, do Guarujá. Juntas, estas unidades contam com cerca de 4 mil leitos, sendo mil de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
Para o professor Fortaleza, o Centro de Contingência tem sido o responsável por São Paulo ter sido bem sucedido em retardar o crescimento da doença. “O Centro é muito ativo, com excelentes pesquisadores e médicos e, felizmente, o governador João Doria, tem se pautado por decisões deste grupo. Estamos vivendo um período muito grave da história, como a segunda Guerra Mundial, por exemplo. Há muitos desconfortos, mas também precisamos entender que vivemos um período em favor da vida e este, é o principal valor, que temos que defender atualmente”.

Reflexão
Será que estes desconfortos não servem para abrirmos nossos olhos para o que realmente é necessário em nossas vidas. Esta terceira “Guerra Mundial” não surgiu para deixarmos de lado mesquinharias e nosso lado egoísta? Será que a sociedade entenderá que vidas valem mais que a economia? Será que quando tudo isso passar, finalmente, caminharemos rumo ao tão sonhado Mundo Melhor? O tempo se incumbirá de nos responder.

 

Publicado na edição nº 10481, de 25 a 30 de abril de 2020.