
Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada. A já célebre afirmação do jornalista norte-americano H. L. Mencken sintetiza, com maestria, um retrato do Brasil em tempos de pandemia. Afora as dramáticas questões de saúde, econômicas e sociais vivenciadas atualmente no País, não é segredo para ninguém que as contas públicas, que já se encontravam em sérias dificuldades antes da crise, agora estão em situação de calamidade – a arrecadação com tributos caiu, o dinheiro sumiu, e muitos estados e municípios estão com o pires na mão para pagar as despesas e fechar as contas.
Nesse contexto altamente complexo para os entes da federação, de queda das receitas e falta de caixa para arcar com as despesas fixas e variáveis, surgem sempre as soluções simples, elegantes e completamente erradas. Exemplo disso são as proposições de leis em curso no Congresso Nacional, as quais intervêm no livre mercado e evocam o aumento de tributos como solução para o endividamento popular e a falta de dinheiro na Administração Pública. Bingo! Problemas resolvidos. Mas será que as medidas estão sendo pensadas da maneira mais adequada?
Um dos projetos de lei em curso no Poder Legislativo federal estabelece um limite aos juros que podem ser cobrados pelos bancos relativamente às dívidas contraídas durante a crise. Em síntese, a proposta visa estabelecer um teto de 20% aos juros cobrados sobre as dívidas de cartões de crédito e cheque especial contraídas no período compreendido entre março de 2020 e julho de 2021 – durante o período de crise. A princípio, a medida soa bem aos ouvidos: é justo que os brasileiros honestos que se endividaram em razão da crise não sejam punidos em demasia com a cobrança de juros exorbitantes. Porém, na prática, a medida, caso aprovada, inobstante seu cunho populista, poderia resultar em um enxugamento do crédito privado, vez que os bancos, limitados na cobrança de juros, tenderiam a se resguardar e manter sua liquidez.
Em outras palavras, as instituições financeiras deixariam de emprestar dinheiro aos micro e pequenos empreendedores que precisam de capital de giro na crise para sobreviver em função da limitação legal para remuneração do risco decorrente das dívidas de cheque especial e cartão de crédito não pagas. A lógica é simples: juro menor gera risco maior, que gera necessidade de caixa maior, que ocasiona redução na concessão de crédito. Assim, uma medida elegante e nobre (limitação dos juros na crise) pode, por tabela, reduzir a oferta de crédito e financiamento no mercado, secando a fonte de capital para os que mais precisam dele em tempos de queda generalizada do faturamento.
Outra proposta temerária em discussão é a de tributação dos dividendos entregues aos sócios de empresas sediadas no Brasil em 15%, cuja arrecadação seria destinada às despesas decorrentes da pandemia. Desde 1996, a distribuição de lucros de pessoas jurídicas sob a forma de dividendos é isenta de tributação no Brasil, por variadas razões. Desconsiderando as mais distintas inconstitucionalidades de natureza tributária que a proposta carrega consigo, as quais por si só já fulminariam a viabilidade da proposta, é necessário observar o contexto em que a isenção foi implementada no Brasil, basicamente, como forma de fomentar o mercado de capitais local e atrair o investimento estrangeiro direto. O valor distribuído sob a forma de dividendos já passou pela peneira da tributação: foi garfado em aproximadamente 34% antes de sua distribuição – um dos maiores percentuais de tributação do lucro em economias desenvolvidas ou emergentes. Se além da tributação incidente sobre o lucro na empresa (34%), houver também a tributação na distribuição dos lucros (15%), é muito provável que o gringo deixe de investir no Brasil e a atratividade da Bolsa, uma importante fonte de financiamento privada, seja reduzida. Assim, uma singela alteração na legislação pode prejudicar todo o mercado no Brasil, reduzindo os investimentos, eliminando postos de trabalho e reduzindo a atividade econômica.
Dessa forma, mostra-se crucial, ainda mais em tempos de profunda crise, uma análise cuidadosa, equilibrada e sistêmica da classe política sobre as medidas necessárias para mitigação das dificuldades que o País enfrenta. Assim, optar pelo caminho mais simples na lida com questões complexas resultará, por certo, em soluções erradas, muitas das quais nos colocarão em situação ainda mais difícil no futuro. Tudo o que não precisamos é de mais problemas.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e administrador de empresas em São Paulo-SP. Contato: [email protected]).
Publicado na edição nº 10488, de 23 a 29 de maio de 2020.