Tempo de envelhecer

0
1150

“Só na velhice a mesa fica repleta de ausências” (Fabrício Carpinejar)
Assistir ao filme A Balada de Narayama foi para mim um estímulo à reflexão sobre a arte de envelhecer. Esse filme, produzido em 1983, é baseado na novela de Schichiro Fukazawa e retrata o cotidiano dos habitantes de uma pequena e pobre aldeia japonesa situada nos arredores da montanha sagrada de Narayama. Ali, quando os idosos atingiam 70 anos, deveriam ser levados por um filho ao alto da montanha e lá deixados à espera da morte, sozinhos, fato que aos olhos da realidade local era considerado tradição honrosa.
Outro filme que também retrata a condição humana na velhice chama-se Parente Serpente. Produzido na Itália e dirigido por Mario Monicelli, o filme se passa na casa dos patriarcas da família à época do natal, onde toda a família se reúne para recordar os tempos de infância e adolescência. Histórias paralelas são lançadas ao ar, ora felizes, ora tristes, ora cômicas, ora trágicas. Entretanto, o filme guarda para o seu final o desfecho mais trágico e cruel perpetrado pela natureza humana, quando o casal de velhinhos anuncia que irá morar com os filhos, passando uma temporada com cada um deles. Prevalece então o velho ditado: “um pai cuida de dez filhos, mas dez filhos não conseguem cuidar de um pai”. Fim da história, os velhinhos são literalmente assassinados pelos filhos em um forjado acidente com o novo aquecedor, presente de natal (sic!) dos filhos para os pais.

Um mundo mais velho
A população mundial está ficando mais velha e as estatísticas estão aí para provar. Para se ter idéia, segundo dados da ONU, no último meio século a expectativa de vida aumentou em cerca de 20 anos. No Brasil ela saltou para 76 anos. No Japão, recordista das expectativas, o número chegou a 81 anos para os homens e 87 para as mulheres.
Dois são os fatores principais do avanço desses números: o aumento da qualidade de vida da população idosa e a diminuição da mortalidade infantil. O primeiro fator se dá por vários motivos, entre eles a melhoria nas condições de educação, evolução da qualidade sanitária e inovações na medicina geriátrica. Já em relação ao segundo, os pontos decisivos para a sua diminuição são o combate às doenças infecciosas através de programas de vacinação em massa e a melhoria das condições de higiene, alimentação e educação do público infantil. Os números do crescimento da população idosa vistos sob a ótica absolutista não incomodam ninguém, mas dentro de um contexto social e econômico, incomoda muita gente.

O peso da idade
Um dos principais sinais de alerta revelados pelas gélidas relações estatísticas dos idosos refere-se ao sistema previdenciário. As estimativas do IBGE mostram que haverá um aumento não apenas do total de pessoas idosas, mas principalmente da participação delas no conjunto da população brasileira, passando de 8% em 2000 para quase 19% no ano de 2030. Boa parte dessa parcela precisa continuar ativa, pois os proventos advindos da previdência geralmente não são suficientes para as mínimas necessidades do dia-a-dia, principalmente quando surgem os problemas de saúde.
Outro desafio revela-se veladamente: a violência em casa e na rua. Os maus-tratos a idosos não são exclusividade de países pobres. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 2 milhões de idosos acima de 65 anos sofrem algum tipo de agressão. No Brasil, o Rio de Janeiro é o campeão de mortes de idosos, vítimas de violência. E os números são claros: um estudo da Fiocruz revela que em um grupo de 100 mil habitantes com mais de 60 anos, 250 morrem por homicídio, atropelamento, tombos e violência doméstica. Outro estudo, esse da professora Maria do Rosário Menezes, da Universidade Federal da Bahia, mostra que as mulheres idosas são as principais vítimas e os filhos homens são os principais vilões desse tipo de violência.
A sociedade impõe de fato um pesado fardo para a comunidade de idosos. Embora no Brasil exista desde 1994 ,a Política Nacional do Idoso e desde 2003, o Estatuto do Idoso, as suas aplicações práticas não têm sido reveladoras. Deixar o futuro dessa geração somente nas mãos de políticos é selarmos definitivamente o seu pior destino.
E para quem se sensibiliza com esse tema, aqui fica uma dica de leitura interessante: a cartilha do idoso (www.anadep.org.br/wtksite/cartilhaidoso.pdf). Seja presente!

(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

(…)

Publicado na edição 10385, de 11 e 12 de abril de 2019.