

“Não é fácil ficar isolado, é de extremo sofrimento, mas absolutamente fundamental. Tive que me reinventar, criar um Davi novo, seguramente mais humilde e sabendo os limites da vida”. O depoimento é do médico infectologista e coordenador do Centro de Contingência do coronavírus de São Paulo, Davi Uip, que retomou suas atividades nesta segunda-feira (6), após mais de duas semanas afastado por ter contraído a Covid-19.
Davi Uip foi um dos integrantes da coletiva estadual que acompanhou o pronunciamento do governador João Doria, no Palácio dos Bandeirantes, para anunciar a prorrogação por mais 15 dias, da quarentena em todos os 645 municípios de São Paulo.
A decisão foi tomada após reunião com 15 médicos do Centro estadual de Contingência do coronavírus, que apontaram que o contágio já chegou a cem cidades paulistas e a mais de 400 hospitais públicos e privados. Projeções apontam que prolongar o distanciamento social pode evitar mais de 160 mil mortes em todo o estado.
“A prorrogação da quarentena será feita por mais 15 dias, de 8 até dia 22 de abril, em todo o Estado e pelas razões que foram largamente expostas por cientistas, médicos e especialistas. Prefeitas e prefeitos terão o dever e a obrigação de seguir a orientação do Governo do Estado. Isto é constitucional, não é uma deliberação que pode ou não ser seguida”, afirmou o governador, completando: “As Guardas Municipais ou Metropolitanas deverão agir e, se necessário, recorrer à Polícia Militar para que imediatamente possa haver dissipação de qualquer movimento ou aglomeração de pessoas. Esta é uma deliberação que deverá ser rigorosamente seguida pela população do Estado de São Paulo, na defesa de suas vidas e de seus familiares”.
Entre 17 de março e 5 de abril, o número de mortes pela Covid-19 já é quase igual ao total de óbitos por gripe registrados ao longo de 2019, sendo que as internações de pacientes com a confirmação da doença em leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) cresceram 1.500% desde 20 de março, passando de 33 para 524, na sexta-feira (3). As mortes subiram 180% em uma semana.
Conforme projeção do Instituto Butantan, centro de pesquisas biomédicas vinculado à Secretaria de Estado da Saúde, a prorrogação da quarentena pode evitar 166 mil óbitos em São Paulo, além de 630 mil hospitalizações e 168 mil internações em UTIs.
Os serviços considerados essenciais continuam em funcionamento, como nos primeiros 15 dias da quarentena. A recomendação é que as pessoas fiquem em casa.
“Não é brincadeira, por favor, aqueles que estão subestimando que não é nada ou é pouco, desejo ardentemente que não adoeçam. É um sofrimento muito grande”, enfatizou Davi Uip, agradecendo “a Deus por estar aqui vivo, aos meus familiares pela solidariedade, ao senhor (governador), que não deixou de me ligar um dia, não para cobrar dados, mas para saber como estava o amigo, a Helena Sato, a todos profissionais que me atenderam e aos amigos da imprensa, que não deixaram de mandar mensagens”.
Segundo o médico, há dois domingos sentiu mal e procurou ajuda médica. “Estava extenuado. O sentimento de se ver como médico infectologista, com pneumonia, sabendo que, muito provavelmente, entre o 7º e o 10º dia, você teria complicações, é angustiante. Você dorme, sem saber como e se acordará”, declarou Uip, afirmando que, a partir de agora, divide seu dia com as obrigações estaduais e o atendimento aos pacientes, porque, teoricamente, não se contamina novamente.
Casos e mortes
Estudo do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado aponta que o número de casos de coronavírus no Estado, desde 26 de fevereiro, atinge 4.620 pessoas. Mais de 400 hospitais, entre públicos e privados, notificaram casos suspeitos da doença, 275, em 20 dias, número próximo das 297 vítimas fatais por gripe registradas no ano passado.
Ainda de acordo com dados do centro estadual, até o momento são 13,7 mortes diárias, em média, por Covid-19, contra 1,3 morte/dia por meningite no Estado, em 2018. Entre as vítimas fatais, 85,8% tinham 60 anos ou mais. Desses, 92,1% apresentavam algum tipo de comorbidade: 69,1% eram cardiopatas; 47,1% possuíam diabetes; 16,1% apresentavam pneumonia; 12,6% tinham algum tipo de doença neurológica; 7,6% possuíam imunodeficiência; 3,1% eram asmáticos; e 2,2% apresentavam doença hematológica.
Cenários
No momento, o cenário epidemiológico de São Paulo em relação ao coronavírus é melhor que em relação a outros países. A quarentena no Estado foi decretada 26 dias após o primeiro caso, quando havia 810 infectados e 22 mortes. Com isso, a curva de casos apresentou tendência de achatamento.
Segundo estudo do Instituto Butantan, em parceria com o Centro de Contingência, dados epidemiológicos disponíveis indicam que, antes das medidas de restrição, a velocidade de transmissão do vírus era de uma para seis pessoas. Em 20 de marco, este número caiu de uma para três. No dia 25, já era de uma para menos de duas. Mas, somente quando a taxa for menor do que um para um poderá se dizer que a epidemia estará controlada.
A redução do contágio permitiu retardar o pico de internações nos hospitais da cidade de São Paulo, que ocorreria já na primeira semana de abril, se nada tivesse sido feito. “Conforme projeções do Instituto Butantan, em parceria com a UnB (Universidade de Brasília), haveria mais doentes por coronavírus do que leitos necessários no SUS de São Paulo, e seria preciso acrescentar 20 mil novas vagas, das quais 6,5 mil de UTI. O sistema, portanto, entraria em colapso”, enfatizou Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan.
Ainda conforme as informações do estudo, com 66% dos paulistanos em suas casas após 23 de março, houve expressiva redução de pacientes com quadros pulmonares, internados em hospitais. Entretanto, o isolamento diminuiu nos últimos dias. Em 2 de abril, era de 52,4% na cidade de São Paulo e de 51,8% no Estado.
“Estes resultados positivos reforçam a importância das medidas de afastamento social adotadas. A evolução da epidemia indica claramente que as medidas têm que ser mantidas e a adesão da sociedade, reforçada. O Centro de Contingência avalia diariamente o impacto das medidas na mobilidade das pessoas, e a constatação é que ainda existe espaço para melhoria, (por estar em cerca de 55% de redução da circulação, quando o número deveria ser de cerca de 70% menos pessoas circulando). Neste momento crítico da epidemia, a única medida efetiva ao nosso dispor é o distanciamento social”, afirmou o médico David.