2021, o ano em que seremos melhores

Marcelo Sousa

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Nos últimos 20 anos as empresas fizeram altos investimentos em tecnologia e marketing para capturar dados de seus clientes e prospects e armazená-los em grandes repositórios de dados. Tais bancos de dados foram consolidados a partir da unificação de informações oriundas de seus sistemas transacionais internos, como por exemplo, os sistemas de cadastro, faturamento, cobrança, atendimento e mais recentemente por meio do tagueamento de suas propriedades digitais (sites, blogs, redes sociais etc.).
A grande maioria dessas empresas tem utilizado a compra de dados de fornecedores externos – batizada pelo mercado de dados como 3rd party data – como alternativa para atualizar os cadastros de seus clientes ou enriquecê-los como informações adicionais, como por exemplo renda, escolaridade e clusters comportamentais – calculados a partir da manipulação dos dados disponibilizados pelo Censo do IBGE – permitindo a elas um entendimento mais profundo das características demográficas e dos hábitos de compra de seus consumidores. Ainda que em menor número, muitas empresas também se utilizaram de fornecedores externos para comprar altos volumes de dados pessoais, como nome, endereço, e-mail e telefone, com o objetivo de ampliar significativamente as suas campanhas de prospecção de novos clientes.
A posse de grandes volumes de dados incentivou o crescimento exponencial das campanhas de marketing e consequentemente dos volumes de disparos de ações de e-mail marketing, SMS e mais recentemente em push de aplicativos. Como o custo unitário de comunicação digital é baixíssimo, resultados de conversão ainda que percentualmente tímidos são suficientes para justificar ações de comunicação massificadas, praticamente sem a aplicação de critérios mínimos de segmentação de públicos e adequação de ofertas, o que tem empobrecido as boas práticas do marketing orientado por dados.
Mas isso tudo está mudando com o surgimento da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados, pois as empresas já não têm acesso ilimitado aos dados dos consumidores. Desde a vigência da lei, iniciada em setembro de 2020, as informações que foram capturadas ou adquiridas sem uma base legal, terão que ser descartadas, não podendo ser utilizadas para ações de marketing e comunicação. O que basicamente significa que, se a empresa não tiver uma relação ativa de prestação de serviços ou então um consentimento formal por parte do cliente, ela não está mais autorizada a contatá-lo, sob o risco de sofrer sansões ou aplicação de multas que podem chegar a R$ 50 milhões.
Se somarmos a isso o fato de que a lei garante ao consumidor o direito de solicitar a exclusão de seus dados dos sistemas da empresa para o recebimento e comunicações futuras, processos que chamamos de opt-out, temos como consequência uma redução importante no volume dos dados que hoje estão em posse das empresas, considerando que o impacto será ainda maior nas bases adquiridas sem a devida base legal.
Efeito semelhante tem ocorrido no universo da mídia digital, em especial na mídia programática. O volume de audiências disponibilizados pelas DMPs (Data Management Platforms) deve diminuir significativamente, uma vez que no processo de captura de dados de navegação nos sites de seus parceiros elas deverão necessariamente informá-los a respeito do compartilhamento e obterem o consentimento previsto na LGPD. E ainda mais importante do que isso, os principais browsers do mercado, entre eles o Safari e mais recentemente o Crome estão proibindo a inclusão de ferramenta de tagueamento de terceiros. Como resultado, essa redução das audiências disponíveis pode potencialmente restringir a cobertura ou o volume de mídia em uma determinada campanha digital.
Mas, se à primeira vista, a regulação do uso de dados pessoais parece ser uma ameaça às práticas do marketing que faz amplo uso de dados, as primeiras experiências após a implantação da lei estão nos sugerindo efeitos contrários e altamente positivos.
Tanto na Europa, que teve sua lei de proteção de dados (GDPR) aprovada em 2015, como a partir das primeiras experiências no Brasil, temos visto que a redução do volume de abordagens tem proporcionado um aumento expressivo nas taxas de conversão. Isso porque as empresas passaram a se comunicar somente com indivíduos que possuem maior relacionamento com a marca, sejam eles clientes ativos ou que fizeram o opt-in, autorizando o envio da comunicação. Em outras palavras, as empresas estão sendo levadas a eliminar de seus bancos de dados os indivíduos que realmente não possuem interesse em seus produtos e serviços, públicos que historicamente apresentam número muito baixos de conversão. Ou seja, as bases de dados estão diminuindo em volume, mas ganhando em qualidade.
Por isso, diante das restrições de acesso aos dados, precisamos ser ainda mais habilidosos no uso da informação e em nossas estratégias de segmentação para oferecer soluções cada mais relevantes e personalizadas, mantendo nossos consumidores engajados e dispostos a continuar recebendo nossa comunicação. O nosso acesso aos dados de clientes dependerá da nossa capacidade de demonstrarmos segurança e transparência no tratamento de suas informações e, mais do que isso, da troca de valor, onde eles percebam benefícios tangíveis que os convençam a continuar compartilhando conosco suas informações.

(Colaboração de Marcelo Sousa, Presidente da Abradi- Associação Brasileira dos Agentes Digitais e diretor executivo da Marketdata, empresa do Grupo WPP).

Publicado na edição 10.559 de 3 a 5 de março de 2021.