A vida é mais que uma teoria

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Antõnio Carlos Álvares da Silva

No meu último artigo – 18-5 – abordei uma manifestação da professora da USP, Marilena Chaui, na reunião do PT, para comemorar seus 10 anos no governo. Nessa reunião ela disse: “Odeio a classe média. É um atraso de vida, a estupidez, o que tem de mais reacionário, conservador, arrogante e terrorista.” Critiquei essa fala pela falta de lógica e de fundamento, já que demonstrava uma incoerência, com o discurso do PT, que ela apoia incondicionalmente. Realmente, o PT se vangloria a todo instante de ter incorporado milhões de operários à classe média. Aliás, Lula, presente à reunião, retrucou: “Lutei anos, para ser classe média e você vem e avacalha.”
Pois bem, no dia seguinte, em artigo publicado no caderno “Aliás” do Estadão, Jessé de Souza, professor catedrático da Universidade de Juiz de Fora e doutor em sociologia pela Universidade de Heindeberg, da Alemanha, fez uma defesa apaixonada da posição de Marilena Chaui. Tentou inclusive justificar essa posição. Usando o jargão comunista do século passado, ele argumentou, que a classe média se apossou de um capital.
Esse capital é um privilégio, que lhe assegura um acesso diferencial aos bens e recursos, que toda a população deseja. Ele divide esse capital em duas espécies: O capital econômico, facilmente reconhecível e o “capital cultural” que poucos percebem em toda sua plenitude. Por isso, ele esclarece, que o capital cultural não se resume na educação cultural, recebida na escola. Dele, também faz parte, a herança imaterial e invisível, tanto moral, como cognitiva, que as crianças, desde a tenra idade, sem nenhum esforço, recebem de seus pais da classe média. Em resumo, a família da classe média, só por criar seus filhos dentro de um padrão melhor, lhe confere um privilégio cultural, que lhe permite mais tarde, exercer uma dominação injusta sobre a classe operária. Cotejando os dois textos dos dois insignes professores doutores universitários não consigo achar coerência. Jessé de Souza fala de um poderoso capital cultural generosamente conferido pela classe média. E Marilena Chaui, classifica essa mesma classe média, como sendo “um atraso de vida, a estupidez, que tem de mais arrogante, reacionário e terrorista.” Como é, que essa classe plena de atraso, estupidez e arrogância pode conferir capital cultural a alguém? Dessa conclusão, me vem uma outra pergunta: Qual a classe dos ilustres professores doutores, a operária, média, ou alta? E se eu puder polemizar com esses iluminados professores doutores, me atrevo a dizer, que eles partem de um princípio errado. Aquele, que as pessoas nascem todas iguais, tal como um produto, que sai de uma fábrica. Ocorre, que as pessoas já nascem diferentes no físico e na inteligência. É claro, que essas diferenças vão se aprofundar, com o ambiente que eles viverem. Porém, não é só o ambiente que vai aprofundar essas diferenças. Na roda da vida vai interferir também a sorte e as oportunidades. Para conquistar capital, tanto econômico, como cultural a pessoa precisa estar no lugar certo, na hora certa. Porque capital cultural também é ter acesso e aprender uma profissão, no momento em que a oportunidade torná-la mais lucrativa. Sobre esse ponto, não me canso de lembrar a situação de Bebedouro e da região na minha infância. A economia de baseava no cultivo do café. Esse cultivo era feito por colonos, em uma espécie de parceria, com o dono da fazenda. No dizer dos professores, uma forma de exploração. Conforme o tamanho da família dos colonos, eles tratavam de um determinado número de pés de café da propriedade. O fazendeiro fornecia casa de moradia, com um grande quintal, para criar animais usados na alimentação e uma pequena gleba, para o colono plantar arroz e milho. O feijão era plantado no intervalo das fileiras do cafezal. O colono recebia um determinado número de sacas de café por cada mil pés cuidados. O fazendeiro ficava com uma parte maior. Esse sistema permitia ao colono se sustentar com sua família. Na década de 40 a oportunidade apareceu. Houve uma grande safra no Brasil, com preços altos.
A consequência foi sobrar um capital razoável para os colonos. Ao mesmo tempo, no estado do Paraná, começaram a ser vendidas terras baratas. Como eram virgens, produziam muito café. Então, os colonos, que sabiam cultivar café, compraram essas terras no Paraná e foram lá cultivá-lo. Junto com eles foram outros. Muitos enriqueceram. Um deles Jeremias Lunardeli, ano a ano foi aumentando o tamanhos de suas terras e se tornou o maior produtor de café do mundo. Em menor escala, isso aconteceu com muitos outros, que aproveitaram a oportunidade. Daí, no entender dos professores, os pobres se tornaram exploradores. Eu poderia citar muitos outros exemplos.
Vou citar apenas um, que todos conhecem. Silvio Santos era apenas um camelô, que vendia mercadorias nas ruas. Inventou o carnê do Baú e se tornou rapidamente dono de um império econômico. Tenho certeza, que os doutos vão ter uma explicação técnica para isso. Mas, a vida de cada um é muito mais caprichosa e não cabe na explicação dos doutos professores doutores, confinados em suas cátedras, para produzir teorias.

(Colaboração de Antônio Carlos Álvares da Silva, advogado bebedourense).

Publicado na edição nº 9556 dos dias 8, 9 e 10 de junho de 2013.