Afinal, a Lei Geral de Proteção de Dados “pegou”?

Rodrigo Toler

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Em agosto de 2023, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) completou 5 anos. Promulgada em 2018, a lei passou a ter vigência em setembro de 2020 e as sanções administrativas em agosto de 2021. Ou seja, teve sua vigência plena (obrigatoriedade de cumprimento por todos) há apenas dois anos. Nesse período, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) – órgão responsável por zelar pela proteção de dados pessoais e por regulamentar, implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD no Brasil, foi criada e iniciou sua atuação normativa, fiscalizatória e orientativa, com reflexos na regulamentação e implementação da proteção de dados pessoais no Brasil.

Em curto espaço de tempo a proteção de dados ganhou relevância no cenário nacional e alcançou importantes conquistas no âmbito dos Três Poderes. No Poder Executivo, a ANPD teve a sua natureza jurídica alterada, antes vinculada a Presidência da República, passando para Autarquia Especial, por meio da Medida Provisória nº 1.124, convertida na Lei nº 14.460/22. O principal reflexo foi a garantia de maior autonomia financeira e administrativa, independência de atuação em relação às influências políticas e maior credibilidade no cenário internacional.

No âmbito do Poder Legislativo, a proteção de dados pessoais foi incluída no rol de direitos fundamentais na Constituição Federal (art. 5º, LXXIX), por meio da Emenda Constitucional nº 115, de 10 de fevereiro de 2022, refletindo no aumento da segurança jurídica quanto ao tema e à importância da proteção de dados pessoais conferindo ampla garantia ao cidadão quanto ao uso inadequado dos seus dados pessoais.

E no Poder Judiciário, a menção a lei de proteção de dados nas decisões judiciais têm aumentado de forma significativa. Segundo o Relatório Anual de Jurimetria (OPICE BLUM, 2022), a privacidade de dados do consumidor encontra-se entre as maiores motivações para judicialização de demandas com base na proteção de dados. Considerando o recorte dos principais Tribunais de Justiça do país (2ª Instância), 40% das decisões tratam de forma específica a LGPD, com taxa de condenação em 43% dos casos. Em 2.023 o volume de menções à LGPD em processos judiciais dobrou, principalmente considerando a regulamentação pela ANPD da forma de aplicação de sanções administrativas.

De toda forma, ainda existe um longo caminho de amadurecimento regulatório e social a respeito do tema, considerando que ainda existe um descasamento entre as ações dos titulares nos ambientes digitais e as suas preferências em relação à sua privacidade. Toda a regulação global em torno da privacidade é ainda uma primeira onda e muitas novidades já estão na agenda dos próximos anos como, por exemplo, a regulação sobre inteligência artificial.

De acordo com Jean Tirole (economista francês), no seminário internacional Challenges of Modern Regulation, diante dos desafios da revolução digital, é necessário que a adaptação a essa nova realidade esteja atrelada à confiança nas plataformas digitais em relação à forma de tratamento dos dados pessoais, à finalidade, ao compartilhamento, à exclusão etc., considerando que esses dados representam um ativo econômico e político para as organizações que os detêm, manipulam e monetizam.

A impressão é de que o balanço é positivo, considerando o curto espaço de tempo em que a proteção de dados passou a integrar o rol de direitos fundamentais, a Autoridade Nacional conquistou sua independência funcional, e os seus reflexos irradiados na sociedade. O cumprimento da LGPD impõe o tratamento ético dos dados, contudo, essa gestão não é vocacionada apenas ao cumprimento de um dever regulatório. É, sobretudo, uma forma para criação de vínculos de confiança com todos os titulares de dados pessoais, através da transparência e construindo relações duradouras.

(Colaboração de Rodrigo Toler, advogado de Privacidade e Proteção de Dados no Opice Blum, Bruno Advogados. É Mestre em Direito, Tecnologia e Desenvolvimento pelo IDP. Email: [email protected]).

Publicado na edição 10.789, quarta, quinta e sexta-feira, 20, 21 e 22 de setembro de 2023