Agricultura, meio ambiente e fogo

Gabriel Burjaili

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Colunista - Advogado que atua na área do meio ambiente, Gabriel Burjaili

O uso do fogo como técnica agrícola remonta a tempos imemoriais, verdadeira prática primitiva no manejo das culturas e do solo. Acreditava-se que a queima de matéria orgânica ao final de um determinado ciclo produtivo fosse a melhor maneira de se limpar o solo e prepará-lo para a próxima safra ou cultura, aparentemente a um baixíssimo custo. Atualmente, contudo, há entendimentos opostos. A ONU, por exemplo, aponta que o uso do fogo na agricultura pode reduzir a retenção de água e diminuir a fertilidade do solo em 25 a 30%.

Mesmo para o meio ambiente, há questionamentos acerca do aspecto positivo do fogo para a biodiversidade de determinados biomas. Para ficar na realidade brasileira, em particular dos biomas cerrado e pantanal. Especialistas e pesquisadores apontam, no entanto, que a análise do suposto aspecto positivo do fogo pode variar em relação à fauna e flora de determinado local.

Não é, portanto, um tema imune a controvérsias (como quase nenhum o é, diga-se de passagem). O que não há dúvidas é que o fogo em excesso é extremamente nocivo para o meio ambiente, para a agricultura e para a sociedade. Temos experimentado isso bem de perto em nossa região, recentemente.

Contemporaneamente, o uso do fogo é bastante restrito pela legislação ambiental. A Lei Federal nº 12.651, de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa (conhecida como Código Florestal), considera a prevenção e o combate ao fogo como temas de interesse social, enquanto atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa.

A citada lei também possui um capítulo específico para tratar da proibição do uso de fogo e do controle dos incêndios. Em geral, o uso do fogo como técnica agrícola é proibido, com poucas exceções, tais como: uso em práticas agropastoris ou florestais, mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental; emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação; atividades de pesquisa científica (observados outros critérios); e as práticas de prevenção e combate aos incêndios e as de agricultura de subsistência exercidas pelas populações tradicionais e indígenas.

No Estado de São Paulo, há um Programa de Controle, Monitoramento e Combate a Incêndios chamado ‘Operação São Paulo sem Fogo’. O programa é parte do Sistema Estadual de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, criado pela Lei estadual nº 10.547, de 2000 e regulamentado pelo Decreto estadual nº 56.571, 22 de 2010. Como já citado neste espaço em outra oportunidade, Bebedouro é uma das cidades aderentes à Operação.

Em nível federal, houve a recentíssima promulgação da Lei nº 14.944, de 31 de julho de 2024, que Institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. O objetivo maior de tal política, como das regras em geral relativas ao fogo, é diferenciar as práticas aceitas das proibidas. A lei federal, por exemplo, define (naturalmente, com a finalidade de diferenciá-los entre si) o que é incêndio florestal; queima controlada; queima prescrita e uso tradicional e adaptativo do fogo.

A recente lei também trouxe uma mudança a uma regra prevista na lei de crimes ambientais para (ao menos em tese) aumentar a abrangência do tipo penal lá previsto. Agora, provocar incêndio não apenas em florestas, como em quaisquer outras formas de vegetação, é crime. Essa mudança, em tese, tende a facilitar o enquadramento de condutas ilegais como crime, na expectativa de maior repressão a ações ilegais (além do dever dos responsáveis em indenizar as pessoas pelos danos sofridos).

Para proprietários (as), agricultores (as) e empresas rurais em geral, fica o dever de adotar medidas preventivas para não ocasionar fogo não autorizado, monitorar suas áreas e minimizar os efeitos negativos de eventual fogo que venha a acometer suas propriedades.

Ações práticas como aceiros são fundamentais como medidas de prevenção, e ações como treinamentos, formação de brigadas de incêndio, planos de ação etc., são altamente recomendadas. Algumas dessas iniciativas podem, inclusive, ser adotadas em conjunto, mediante reunião de proprietários (as), e muitas entidades coletivas como Associações, Cooperativas e Sindicatos têm se mostrado preparadas para auxiliar.

À luz dos recentes acontecimentos, essas e outras ações preventivas mostram-se cada vez mais importantes, no que diz respeito ao papel de cada participante. No aspecto repressivo, resta à sociedade esperar que o Poder Público (em suas diferentes esferas) aja com rigor, rapidez e seriedade para fazer valer as leis e regulamentos que já existem, punindo os responsáveis pelas recentes e lamentáveis cenas de horror vistas em todo o Brasil, inclusive em nossa região. No mais, estender nossas condolências, respeito e solidariedade à família, à memória e amigos daqueles verdadeiros heróis que se foram lutando para combater tantos incêndios nos últimos dias, literalmente dando suas vidas ao exercer suas missões de proteger a sociedade.

(Colaboração de Gabriel Burjaili, professor e advogado bebedourense).

Publicado na edição 10.869, de sábado a terça-feira, 31 de agosto a 3 de setembro de 2024 – Ano 100