Arte mais forte?

José Renato Nalini

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Que a ciência não consegue, a arte conseguirá?

Os cientistas lamentam hoje terem sido tão discretos, conservadores e tímidos, ao alertarem a humanidade sobre os riscos advindos das mudanças climáticas. Tudo é muito pior do que se poderia supor.

A temperatura da Terra já ultrapassou bastante aquilo que seria necessário para evitar catástrofes dramáticas. Já não se pode mais falar em “mudança”. Melhor será mencionar “emergência” climática.

Os sinais que a natureza emite parecem insuficientes para que os hábitos de consumo se alterem. Tudo continua como se nada estivesse a acontecer.

Apenas os mais sensíveis é que registram absorção da gravidade do perigo. Por isso é que a arte assume papel de relevo, como tentativa – talvez derradeira – de se evitar o apocalipse.

Há filmes, há fotografias, há muita produção artística variada, a abordar o caos. Tudo é bem vindo para tentar convencer as pessoas de que não é o planeta Terra que está a correr risco de desaparecer. A Terra continuará a existir. Mas prescindirá da espécie humana para tanto.

Interessante a produção de quatro artistas rondonienses ao criarem um mural de vinte e cinco metros, em uma das principais avenidas de Porto Velho, em Rondônia. Confeccionaram a palavra Amazônia e cada letra, com três metros de largura, lembra um aspecto da região que comoveu o mundo por se mostrar em chamas. A é a floresta, M é o indígena, outro A, a onça pintada, Z, o rio Madeira seco, O, a floresta pegando fogo, N, animais torrados ou fugindo do fogo, I, brigadistas apagando o fogo e A, revolta popular.

Será que os artistas conseguirão persuadir todas as pessoas de que depende de nós um cobro a essa destruição, a esse verdadeiro suicídio coletivo que é o extermínio do verde, da água e da biodiversidade?

Triste constatar que o Brasil foi tomado por incêndios em todos os biomas. Até setembro, mais de setecentos e quarenta mil hectares foram consumidos pelo fogo, isso só em Rondônia. Louve-se o programa “Megafone Ativismo”, programa de apoio a ativistas socioambientais, realizado por uma coalizão das organizações em defesa da Amazônia. Ou do que ainda resta dela. E nossa Mata Atlântica? Está em melhor situação?

Tudo já está ruim. E vai piorar

É incrível, mas ainda há negacionistas. Aqueles que juram ser normais os fenômenos da natureza que matam, apavoram, destroem. São “ciclos”, afirmam. Não são. Constituem a resposta ao descalabro com que tratamos o ambiente.

O aquecimento global é realidade científica, amplamente demonstrada pelos pesquisadores que se cansaram de alertar a humanidade surda e insensata. Agora, é a natureza quem está com a palavra. E responde como pode. Chuvas intensas e mais frequentes, estiagem, calor que sufoca e mata.

A crise climática intensifica todos esses fenômenos. Notadamente as chuvas e ventos. Foi o que o grupo de pesquisa WWA – World Weather Attribution apurou em relação ao furacão Helene, que atingiu o sudeste dos Estados Unidos em setembro e causou mais de 230 mortes.

Aqui também, no Brasil, o Cemaden – Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, apurou que as chuvas copiosas e violentas já não ocorrem apenas na costa leste. Entraram pelo interior. Isso hoje é previsível. Em São Paulo o CGE – o Centro de Gerenciamento de Emergências consegue detectar a aproximação de tempestades com precisão e tempo suficiente a que as pessoas se acautelem.

É por isso que se deve levar a sério a questão climática. Já não se cuida de mudança, mas de emergência a requerer urgência. Em cada cidade, precisará merecer atenção a criação ou aprimoramento de grupos de defesa civil, com o trabalho orquestrado de Prefeituras, empresas, escolas e sociedade civil, para poupar vidas e reduzir os prejuízos.

Enquanto a sociedade humana não se corrigir de seus desatinos, dos quais o mais grave é a intensificação do uso de combustíveis fósseis, o mundo continuará a responder com essa inclemência. Não é desproporcional, considerada a crueldade com que o ambiente vem sendo tratado há séculos.

O momento é de replantio de árvores, para que a temperatura se reduza, que haja chuva e não falte água. E cuidar de abrigo para os desvalidos, as primeiras e prioritárias vítimas desses desastres que não são “naturais”. Quem os causa é o bicho-homem, criatura insensata, que parece não acreditar que ele é apenas uma parte do fabuloso complexo existencial, hoje desequilibrado em virtude de suas loucuras.

(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-Graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).

Publicado na edição 10.891, sábado a sexta-feira, 30 de novembro a 6 de dezembro de 2024 – Ano 100