Bons sinais, reformas e o risco da reação em “W”

José Mário Neves David

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Após o período mais crítico da pandemia de Covid-19 que, ao que parece, está passando, indicadores de redução das mortes e novos casos vêm sendo divulgados e sinais tímidos de recuperação econômica vêm sendo alardeados no Brasil. Muito embora o caminho de recuperação seja ainda longo e, o mais preocupante no momento, bastante incerto quanto à velocidade e duração da reação, é importante destacar que muitas das previsões mais catastróficas de redução do PIB, inflação, desemprego e fechamento de empresas e pequenos negócios vêm sendo, por ora, descartadas pelos economistas e demais especialistas em análises conjunturais. Mas isso é um bom sinal?
As expectativas de queda abrupta do PIB brasileiro, algumas das quais indicavam uma retração de até 9% da economia do País em 2020, estão sendo aos poucos abandonadas. Hoje, uma previsão mais realista é a do Boletim FOCUS, do Banco Central, que indica uma queda em torno de 5,3% da economia neste ano tão atípico, social e economicamente falando. É um resultado ruim? Certamente. Mas é “menos pior”. No mais, ainda que o risco da inflação, especialmente de alimentos, comece a rondar as análises econômicas, é importante ressaltar que os números oficiais até agora divulgados pelo IBGE em nada destoam do esperado, o que significa que os índices de inflação, ao menos por enquanto, não “dispararam”. O desemprego é ainda uma tragédia brasileira, com números muito altos e que causam sofrimento aos mais pobres, especialmente, porém também não saiu do controle como se alardeava em meados de março, início das medidas restritivas no Brasil. Quanto aos pequenos negócios, os números estão estáveis por enquanto; lembremos, contudo, que essa modalidade de negócio é altamente informal, de forma que números exatos de quebras são difíceis de se obter. Há, contudo, uma “normalidade instável” em curso – apesar do medo e da incerteza, os negócios continuam, aos trancos e barrancos.
Neste sentido, algumas pessoas intimamente relacionadas à economia e aos estudos do mercado vêm opinando que a atividade econômica brasileira tem tudo para se recuperar em “V”, isto é, tende a resgatar os indicadores pré-Covid-19 na mesma velocidade em que os números – produtividade, vendas, arrecadação, dentre outros – desabaram em razão dos efeitos da pandemia. Mas será que essa recuperação rápida é factível?
Há fortes indícios de que, sim, é possível uma recuperação rápida da economia brasileira. Medidas de manutenção de renda para os mais pobres, tais como o auxílio emergencial, o saque das contas do FGTS e a desoneração do crédito através da redução a zero da alíquota do IOF-Crédito promoveram uma injeção de recursos na economia que evitou quebras e manteve empregos em indústrias e setores de base. Estando ativos, tais setores têm boas chances de surfar eventual recuperação econômica. O agronegócio, por sua vez, aquecido com a forte demanda para exportação, tem batido recordes atrás de recordes na produção e no fornecimento de alimentos e insumos ao mundo, gerando receitas ao País. Medidas pontuais, como eventual desoneração da folha de pagamento e a reformulação de programas sociais podem, por certo, facilitar a formalização de setores, a criação de empregos de baixa complexidade e voltados aos jovens e aquecer o varejo e a produção nacional. Há, sim, expectativa de demonstrações de força na economia nos próximos meses, se a condução política da retomada for eficiente.
O que não se pode perder de vista é a necessidade da condução e implementação de importantes e, mais do que nunca, urgentes reformas para o Brasil, tais como a tributária e a administrativa, seja para fomentar o investimento externo e interno, seja para sanar, no longo prazo, as combalidas contas públicas, seja para passar uma imagem de seriedade e comprometimento da classe política com o futuro do País. Caso tais reformas não sejam adequadamente conduzidas, assim como outras importantes questões políticas importantes para o Brasil, é real a possibilidade de um crescimento em “W”, o famoso “voo de galinha”, em que se alternam quedas bruscas com subidas rápidas – e frágeis – dos indicadores econômicos, gerando incerteza, medo e instabilidade social, econômica e política, com consequências imprevisíveis para a condução do País, tudo o que o Brasil não precisa. Que o “V” seja não apenas de “vitória”, mas também de “vigorosa e consistente recuperação”.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e administrador de empresas. Contato: [email protected] ).

 

Publicado na edição nº 10517, de 12 a 15 de setembro de 2020.