Brasil no divã: a transformação social das manifestações

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A desconfiança do povo brasileiro com relação à classe política e principalmente com relação aos partidos políticos tornou as manifestações apartidárias. 

Dane Avanzi

A era moderna teve como marco inicial importantes acontecimentos ocorridos no século XVIII, como a Revolução Industrial em 1750 e a Queda da Bastilha em 1789. Alguns historiadores afirmam que a era moderna perdurou até o fim da guerra fria, que tem como marco simbólico a queda do Muro de Berlin em 1989. As atuais manifestações populares ocorridas na última semana em todo Brasil demonstram o final da era moderna para o país.
Na Europa, durante o século XIX e início do século XX, os acumulados de riquezas pelos comerciantes, industriais e banqueiros criaram uma tensão social que os sociólogos definiram como “Luta de Classes”. Esses conflitos sempre existiram devido à má distribuição de riquezas, em alguns países mais que outros, alternando momentos de aparente calma, quando as massas estão sob controle e momentos de definição – como é o caso da Revolução Francesa.
No Brasil, nos últimos dois séculos muita coisa aconteceu. Podemos citar entre as principais mudanças a Proclamação da República, o desenvolvimento de uma sociedade industrial ao longo século XX, a luta entre ideologias capitalista e comunista, a sucessão de governos ditatoriais e governos legitimamente democráticos, o qual desde 1985 tem prevalecido o Estado democrático de direito. Neste contexto, uma importante ferramenta de representação popular são os Partidos Políticos, criados para expressar ideias, pensamentos e anseios da população. Na prática foi assim, por muitos anos.
Os protestos que tomaram conta das maiores cidades do Brasil na última semana, levaram um número recorde de pessoas às ruas. A desconfiança do povo brasileiro com relação à classe política e principalmente com relação aos partidos políticos tornou as manifestações apartidárias. Tão apartidárias, que os partidos políticos que tentaram integrar os movimentos foram expulsos.
Embora haja uma insatisfação generalizada os políticos eleitos que estão no poder não vieram de Marte. São brasileiros eleitos por brasileiros, e portanto mudança real nenhuma ocorrerá se o povo não se organizar dentro de partidos políticos, eleger seus representantes e cobrá-los durante o mandato.
Do ponto de vista da população a era pós-moderna foi inaugurada com os movimentos sociais que semana passada entraram na história do Brasil. No entanto, se a era moderna acabou, estaríamos vivendo a era pós-moderna? Do ponto de vista do Estado o mundo ainda é moderno, pois depende de suas instituições para funcionar – ainda que estejam enfraquecidas.
Nas eleições de 2014 votaremos em candidatos inscritos em partidos. É assim no Brasil e em qualquer outra democracia no mundo. Outro traço do movimento que claramente indica uma postura pós-moderna é a ausência de ideologias e de outros ideais estéticos e culturais que predominaram no século XX. A desvalorização e a aversão a ideologias demonstram um amadurecimento dos temas que realmente interessam para a melhoria da vida dos brasileiros em geral.
Alguns entendem que extremistas estão se apoderando das massas e alertam quanto ao que ocorreu na Alemanha, com Hitler, na Itália, com Mussolini, que implantaram governos ditatoriais em seus respectivos países seguindo ideias extremistas. Contudo, essa visão não condiz com a realidade brasileira que quer apenas ser tratada com cidadania e respeito.
A objetividade com que o povo vem tratanto as principais pautas, como: o combate a corrupção, aversão aos gastos extravagantes com a Copa do Mundo – que infelizmente, aparentemente serviu de motivo para tanto desvio de verbas – demonstram que o velho modelo Romano de se fazer política jogando “Pão e dando Circo” ao povo está com seus dias contados. Ainda bem.

(Colaboração de Dane Avanzi, advogado, empresário do Setor de Engenharia Civil, Elétrica e de Telecomunicações e Diretor Superintendente do Instituto Avanzi, ONG de defesa dos direitos do Consumidor de Telecomunicações).

Publicado na edição n° 9564, dos dias 29 e 30 de junho e 1° de julho de 2013.