Foi-se o tempo em que “cartório” era sinônimo de burocracia, lentidão, complicação, exigências incríveis. A mudança veio com a Constituição de 1988, cujo elaborador teve a feliz iniciativa de redigir o artigo 236: transformou os antigos “cartórios” em delegações extrajudiciais. Não foi mudança apenas de nome. Foi uma mudança de concepção.
Em lugar da sucessão hereditária, praxe antiga, os serviços extrajudiciais passam a ser entregues a profissionais qualificados e concursados. Um concurso árduo, com muitas exigências, realizado pelo Tribunal de Justiça. E os aprovados assumem as serventias por sua conta e risco. Dependem do trabalho que oferecem. O governo não investe um centavo na delegação e dela extrai bom percentual do movimento. Economia para o povo e eficiência na prestação do serviço.
Para verificar o que era o Brasil cartorial pré-1988 e a situação atual, basta verificar a rapidez com que as delegações realizam seus serviços. Tudo melhorou. O Registro Civil das Pessoas Naturais, os “Cartórios da Cidadania”, são cada vez mais eficientes. Têm condições de prestar ainda melhores préstimos. Os Tabelionatos aderiram à revolução digital e se modernizaram. Os Registros de Imóveis também e, igualmente, o Registro de Títulos e Documentos.
Uma boa nova: a Lei 14.382, de 27.6.2022, vai permitir maior eficiência e celeridade ainda. Tudo agora se obtém por via eletrônica. Economia de tempo e eliminação da necessidade do deslocamento do interessado até o cartório. O ambiente agradece também. Criou-se o SERP – Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, o que propicia a integração de todas as unidades delegadas, em todo o Brasil.
Haverá resistência, é claro. Algumas vozes se erguerão contra a lei e cumpre ouvir seus argumentos, para conferir idoneidade à observância do novo ordenamento. Mas é preciso ter presente que a sociedade se acostumou a um ritmo propiciado pela revolução tecnológica e que o Estado, sempre na rabeira, precisa se adequar à contemporaneidade.
Os cartórios, como atividade estatal exercida por particulares, já mostraram que podem assimilar o que há de mais moderno, com a preservação da segurança jurídica essencial à estabilidade do sistema. É preciso acreditar no progresso e dele extrair o que há de melhor para os seres humanos.
Vamos inovar o setor financeiro?
Vivemos uma era de inventividade e inovação. É “inovar ou morrer”, o mote repetido por quem não quer ser descartado. Daqui a sete anos, por volta de 2030, o mundo estará tão diferente que não reconheceremos coisas que hoje são rotineiras. Por isso, atualizar-se é insuficiente. O ideal é arriscar e colocar-se adiante, situar-se no futuro.
Tudo colabora para essa tendência irreversível. Até o Banco Central do Brasil tem funcionado como propulsor da inovação no setor financeiro, conta Ronaldo Lemos. Depois do Pix, criou o LIFT – Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas. Uma plataforma para acolher outras inovações com potencial transformador.
Todos estão convidados a colaborar com o LIFT. Universidades, empresas, profissionais que se interessem por finanças, estudantes individualmente ou em grupo. Um dos temas que ocupam os seus integrantes é a criação de um real digital. Pode ser uma criptomoeda estável, também conhecida como stablecoin. É o caminho para que o Brasil possua a sua CBDC – moeda digital emitida pelo Banco Central.
Acaba a função da “Casa da Moeda”, termina o hábito pouco higiênico de fazer cédulas circularem por mãos que são lavadas e por mãos que saem das toaletes assim como entraram, e que são escandalosamente oferecidas para apertos cordiais.
Imaginaram viajar ao estrangeiro – assim que o preço das passagens permitir – e não levar dinheiro? A moeda digital estará no celular. Quem preferir, pode sacar na moeda estrangeira do país visitado, com o uso do mobile. Ele vai estar em contratos inteligentes e, segundo Ronaldo Lemos, permitirá que o pagamento, em lugar de ser mensal, seja contínuo. A cada dia se depositará o valor correspondente àquela jornada de trabalho.
Segundo o advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, essa medida combaterá a lavagem de dinheiro, pois sua tecnologia criará aplicações que monitoram os fluxos financeiros com mais detalhes e alcance do que os fluxos em dinheiro convencional.
Assim, novos tempos nos aguardam. Como diz Ronaldo Lemos, real em papel já era, já é moeda eletrônica e já chega logo o real digital.
Ideias para o LIFT são bem-vindas. Habilitem-se, mentes criativas!
(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022).
Publicado na edição 10.713 – Quarta, quinta e sexta-feira, 9, 10 e 11 de novembro de 2022.