Aprendi a admirar a China e sua sabedoria quando adolescente. Minha mãe lia Pearl S. Buck (1892-1973), escritora norte-americana laureada com o Nobel de literatura em 1938, que produziu inúmeros livros sobre a China. “A Grande Travessia”, “A boa terra”, “Mulher Imperial” são alguns deles.
Sua leitura proporcionava crescente paixão pela China. Cultivo ao respeito, à polidez, à lhaneza. Delicadeza de atitudes e de pensamento. Encanto pela natureza, bela e acolhedora. Uma sabedoria consolidada mediante séculos de experiência e de aprendizado.
Não poderia imaginar, àquela altura, entre as décadas de cinquenta e sessenta do século passado, que viria a descobrir outra China. Aquela nação, a mais populosa do planeta – diz-se que a Índia a superou em população estes dias – que conseguiu aliar seu valiosíssimo patrimônio cultural com invejável performance econômica.
A China sequer figurava entre os exportadores há algumas décadas. Foi investindo em tecnologia e educação. Hoje, deixou de ser aquela república em que os produtos ocidentais eram melhorados, para criar suas próprias marcas e para liderar como a potência que mais inova e mais empreende. Hoje, as exportações chinesas são superiores à soma das exportações americanas e alemãs somadas!
Simultaneamente, a China enfrentou a chaga da miséria e da pobreza. Proporcionou melhor qualidade de vida à sua gente. Suas Universidades são incubadoras de talentos.
Não descuidou da questão ambiental. Tem plena consciência de que o maior perigo que ameaça a humanidade é a mudança climática. Tanto que adota políticas fortes de transição energética e vai procurar só adquirir produtos provenientes de melhores práticas ecológicas.
Essa a China que o Brasil precisa respeitar e da qual tem urgência de copiar soluções para a fome, para a miséria, para a pobreza e para a educação. Diversamente de outras hegemonias, a China olha o Brasil como parceiro, com simpatia e acolhimento, não com pretensa superioridade e distância. Aproximar-se da China só pode gerar benefícios para uma nação com tamanhas carências e problemas quais as que enfrentamos no Brasil.
Governantes exemplares
Parece impossível encontrar, na história da humanidade, governantes insuscetíveis de defeitos. É próprio da natureza humana exorbitar quando se tem poder. É nítida a transformação das pessoas, assim que lhes é conferida a prerrogativa da autoridade. Gente simples, humilde, igual, converte-se em modelos escancarados de tirania.
Mas quem procura encontra exceções. Nem sempre são atuais ou recentes. Assim é que um dos imperadores romanos, Marco Aurélio, filho adotivo de Antonino, o Pio, pode ser considerado um governante do bem. Ele era devoto do dever. Contou com os melhores mestres. A moral representava a excelência existencial e a ela devotou sua vida inteira.
Ter bons professores é o suficiente para formar um bom comandante? Não. Docentes adequados podem significar condição necessária, não suficiente. Marco Aurélio teve um mestre muito superior a todos os demais e a quem admirava com veneração: seu pai. “O valor moral do homem está em proporção com a sua faculdade de admirar”, lembra Renan.
Como Antonino foi o alvo direto da integral admiração do filho adotivo, este aprendeu, no convívio com o pai, como ser um belo modelo de vida perfeita.
Marco Aurélio não conheceu o que significa inflexibilidade, intolerância e dureza. Era severo apenas com ele próprio. Conheceu, por experiência na Roma de 161 a 180 da era cristã, o que é a perversidade humana. Por isso adotou a prática da benevolência infinita. Em relação aos maus, escreveu: “Corrige-os, se podes; no caso contrário, lembra-te que a benevolência é qualidade com que deves tratar os delinquentes. Os próprios deuses são benévolos com esses seres; ajudam-nos (tanto a bondade é infinita!) a terem saúde, riqueza e glória. Faze como os deuses”.
Uma lição que precisaria ser assimilada por alguns integrantes do sistema de Justiça contemporâneo, mais vingadores do que profissionais formados à luz da ciência jurídica, está nesta frase: “O melhor processo de nos vingarmos dos maus é não ser como eles”.
Afinal, o delinquente não deixa de ser humano. E existe um “parentesco sagrado que une cada homem ao gênero humano. Parentesco esse que não é de sangue, nem de nascença, mas compartícipe da mesma inteligência. A alma raciocinante de cada um é um deus, uma derivação do Ser supremo”. Que tal levar esta consciência aos responsáveis pela estrutura carcerária brasileira?
(Colaboração de José Renato Nalini, Diretor-Geral da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras).
Publicado na edição 10.757, sábado a terça-feira, 20 a 23 de maio de 2023