Marcelo Bosch Benetti dos Santos
Ouvir e escutar são palavras que soam como sinônimas. De fato, são utilizadas no cotidiano muitas vezes com um mesmo sentido. Se, entretanto, por um procedimento simples procurarmos no dicionário esses termos, de imediato observamos a diferença em meio às semelhanças de significado. No Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras (2008), ouvir é definido como a capacidade de “perceber pelo sentido do ouvido (sons)”, “ter o sentido da audição”. Já escutar é traduzido por “ouvir com cuidado”, e, no sentido figurado, “levar em conta a opinião de alguém”.
Assim, “escutar” consistiria em uma ação mais complexa e sofisticada que “ouvir”. Escutar está para além da capacidade de captar estímulos sonoros do ambiente; tem a ver com processar informações, atribuindo sentido ao que se ouve. No campo das comunicações humanas, o conceito se amplia, e escutar alguém remete à ideia de acolhimento, compreensão e capacidade de ser afetado por aquilo que uma pessoa fala.
Nesse sentido, para a psicologia e para a psicanálise, em suas mais diferentes áreas de atuação, escutar é essencial.
Em psicanálise, a escuta atenta (diferente de seletiva) adotada pelo analista é o correspondente da regra da associação livre estabelecida para o analisando (o paciente). A associação livre consiste na chamada regra fundamental da psicanálise. Por esta regra, o paciente se propõe a dizer tudo o que lhe ocorre no pensamento, independente do teor das ideias, sejam elas desagradáveis, desprovidas de sentido imediato ou aparentemente sem importância. A elas, o analista estabelece uma atenção flutuante, no sentido de manter uma escuta sem selecionar ou privilegiar a princípio qualquer elemento do discurso.
Tal postura escutativa não deve ser confundida com passividade, uma vez que trata-se de uma escuta fina a partir da qual intervenções, questionamentos e interpretações são realizadas ao analisando, ajudando-o a entrar em contato com suas demandas e seus desejos.
Esta lição de escutar e dar espaço para que o paciente fale extensamente sobre suas dores, foi ensinada a Sigmund Freud por suas pacientes histéricas, na Europa do final do século XIX, em momento ainda anterior ao surgimento da psicanálise. Dentre elas, Emmy von N. teve importância distinta em ensinar-lhe tal lição. Atendida por Freud entre os anos de 1889 e 1890, Emmy lhe pedia para que parasse de “lhe perguntar de onde veio isso ou aquilo, mas que a deixasse [me] contar o que ela tinha a dizer”, quando das ocasiões em que ele a interrompia com insistência a fim de resgatar suas lembranças. Tal lição ensinou ao jovem neurologista que ele conseguiria chegar até as profundezas do psiquismo de seus enfermos, vislumbrando a origem de suas neuroses.
No âmbito social maior, saber escutar também é essencial. Claro que de maneira diferente de como faz um psicólogo ou um psicanalista, pois nesse caso se trata de uma escuta específica e técnica, que exige certas condições e ajustes de circunstâncias.
No universo cotidiano das relações humanas, então, a essencialidade da escuta parece que se perdeu. Como se vivêssemos em uma espécie de surdez coletiva. Quando não, uma falha no processamento de informações e ruídos na comunicação. Diálogos se transformem em monólogos e parece não haver brecha para o entendimento do ponto de vista alheio. Isso não quer dizer concordar ou compartilhar dos mesmos ideais e das mesmas atitudes, mas escutar de fato o que o outro tem a nos dizer. Isso ocorre no trabalho, na família, entre amigos, casais e, mais recentemente, ganhou contornos acentuados na política.
Este jogo de quem grita mais alto e quem, finalmente, passa a deter o poder e o controle sobre o outro, faz vir à tona atitudes violentas, autoritárias, reacionárias e segregacionistas, e por isso nocivas e condenáveis. O limite de um debate é o respeito ao outro e à lei vigente.
Escutar não é fácil, não está dado gratuitamente. Escutar é difícil, exige esforço, aprendizado, paciência, uma boa dose de desprendimento e empatia. É importante escutar para poder falar. Escutar, enfim, é uma arte.
(Colaboração de Marcelo Bosch Benetti dos Santos, Psicólogo, especialista em Psicologia Clínica, mestrando em Psicologia Clínica – PUC-SP).
Publicado na edição nº 9978, de 28 e 29 de abril de 2016.