Democracia com fome

José Renato Nalini

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Uma série de livros explora um filão inesgotável: a falência da Democracia. Em inúmeros países houve retrocesso e a população já não acredita naquele que foi considerado “o governo do povo, pelo povo e para o povo”. Viu-se que não é bem assim.
O Brasil se autodenomina democrático. Só que é uma democracia bem típica. Quase quarenta partidos disputam fatias do poder e são ávidos em manter dois Fundos – o Partidário e o Eleitoral – enquanto a maior parte da população não tem qualquer fundo. Os gastos é que vão para um funil sem fundos… Temos a maior carga tributária do planeta, para serviços públicos indecentes. Em sua maioria, é óbvio. Pois há exceções. Honrosas e raras. Em regra, tudo o que é feito pelo governo custa mais caro, demora mais e paira no ar aquela insistente dúvida: haverá alguém se aproveitando do dinheiro do povo para se locupletar?
Uma agravante com a pandemia. O Brasil vinha sofrendo uma sangria ética, a derivar numa enfermidade moral que se converteu em violenta crise econômica. Para culminar, o coronavírus e a maldita Covid-19. Estamos nos acostumando com “apenas” setecentas mortes por dia? Ou com trinta mil contaminações a cada 24 horas?
A paralisação da vida brasileira escancarou uma realidade que não queríamos enxergar: milhões de invisíveis, de excluídos, de despossuídos, de desempregados e de desalentados.
A fome só não atingiu elevado percentual de patrícios porque aflorou uma filantropia que nunca foi o forte no Brasil. O protagonismo de lideranças de setores necessitados também foi uma boa surpresa.
Por isso é que a discussão a respeito de Democracia no Brasil esbarra numa questão mais urgente e mais singela: prover os necessitados de condições de subsistência. A “renda mínima”, que parecia o mantra de Eduardo Suplicy, a falar praticamente sozinho, surgiu como solução factível. Mas isso é pouco. Não haverá dinheiro suficiente para sustentar a população carente durante muito tempo. O remédio é uma educação para transformar a vida: não fazer crianças e jovens decorar informações que podem obter com facilidade maior no Google, mas ensiná-los a criar, a empreender, a atuar de forma eficiente. Resolver pequenos problemas aparentemente insolúveis. Suprir vácuos persistentes e ensinar a ganhar a vida, com dignidade e satisfação íntima.
Há tanto a ser feito! O mundo precisa de alimentação orgânica, de mais árvores, de mais jardins, de viveiros de mudas, de lugares aprazíveis para entretenimento. Precisa de música, de artes plásticas, de cuidadores, de atividades que não podem ser feitas por robôs.
Se a educação de qualidade for observada nas cidades, o lugar mais importante do País, não o Estado ou a União, o Brasil terá jeito. E a Democracia virá como consequência da felicidade popular, não como dádiva dos políticos.

 

(Colaboração de José Renato Nalini, Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2019-2020).

 

Publicado na edição nº 10532, de 11 a 13 de novembro de 2020.