Esquizofrenia: a ortopedia da alma

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Marcelo Bosch Benetti dos Santos

A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico considerado por muitos autores como o mais importante dentre os transtornos psicóticos, em vista de sua incidência, complexidade clínica e da dimensão dos prejuízos que o distúrbio provoca na vida do paciente.
O termo foi proposto em 1911, pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, designando os mesmos fenômenos psicóticos até então denominados como “demência precoce” (Emil Kraepelin, psiquiatra alemão). O prefixo esquizo- traduz uma ideia de cisão/divisão, e se origina do grego schizein (“clivar”, “fender”); -frenia vem do grego phrenós, e significa “pensamento”, “mente”. Nesse sentido, a palavra esquizofrenia pode ser traduzida por “pensamento clivado” ou “mente clivada”.
A terminologia do distúrbio é de grande alcance para a compreensão daquilo que pode ser considerado sua essência: a ruptura radical que ocorre na relação do paciente esquizofrênico com o seu mundo interno e com o mundo externo.
Ou seja, essa clivagem mental característica da pessoa com esquizofrenia faz com que ela possa ter sérios problemas em experienciar um senso de unicidade e individualidade, resultando em uma dificuldade muito grande em diferenciar-se dos outros e da realidade a seu redor.
Essa condição pode ser melhor compreendida se observarmos alguns dos sintomas do transtorno, tais como:(1) eco ou sonorização do pensamento, em que o paciente escuta seus próprios pensamentos; (2) difusão do pensamento, caracterizada pela sensação de que as pessoas estão ouvindo o que o paciente está pensando; (3) roubo do pensamento, que consiste na “retirada” abrupta do pensamento, interrompendo a cadeia associativa de ideias; (4) vivências de estar sofrendo influência no corpo ou na esfera ideativa, pela intervenção de alguma força ou ser externo; (5) alucinações auditivas, nas quais vozes comentam e/ou comandam a ação do indivíduo, usualmente em tom agressivo e pejorativo; e (6) percepções delirantes, caracterizadas por distorções e interpretações delirantes da realidade.
Em acréscimo, podem ocorrer os chamados “sintomas negativos”, que recebem este nome por corresponderem a uma ideia de perda, ausência ou déficit comportamental.
São eles: o distanciamento afetivo (diminuição ou perda da capacidade de experimentar afetos que estejam em sintonia com as situações e relações interpessoais vividas); retração e afastamento do convívio social; empobrecimento da linguagem e do pensamento; diminuição da fluência verbal; diminuição da vontade e da iniciativa; negligência em relação a si mesmo (falta de higiene, descuido com a própria aparência e com a própria saúde); lentificação e empobrecimento psicomotor, como gestos e movimentos corporais.
Para o tratamento da esquizofrenia, assim como o acompanhamento psiquiátrico (tratamento farmacológico), a psicoterapia é imprescindível. Através dela, o paciente poderá melhor delimitar as fronteiras de seu ego, bem como dar um novo significado para suas vivências psicóticas – geralmente caracterizadas por muita angústia -, desenvolvendo com isso uma nova percepção sobre sua doença e sobre suas questões existenciais. O acompanhamento terapêutico (intervenção psicossocial que ocorre no “ambiente de rua”, estimulando o contato com a realidade externa e com diferentes situações sociais), as orientações junto à família, estratégias que favorecem a inserção do paciente no mercado de trabalho (emprego assistido ou protegido) e a terapia ocupacional também são intervenções importantíssimas para a reabilitação da pessoa com esquizofrenia e o fortalecimento de seus laços.
É preciso propor outros caminhos para a mente esquizofrênica que não seja o destino mórbido de uma ortopedia da alma que divide, confunde e aprisiona. Torná-la uma mente brilhante, como fez o matemático John Nash, ganhador do Prêmio Nobel de Economia (1994), foi extraordinário, assim como Arthur Bispo do Rosário, ao inscrever seu nome no mundo das artes.
Que estes homens sirvam como modelo para a transformação da mente esquizofrênica, que não se contenta com a ortopedia da alma.
(Colaboração de Marcelo Bosch Benetti dos Santos, Psicólogo, Especialista em Psicologia Clínica, Mestrando em Psicologia Clínica – PUC-SP).