Não é de hoje que os ânimos estão exaltados. Questões políticas, principalmente, mas também sociais, religiosas, esportivas e familiares têm levado as pessoas ao desentendimento crônico. Se você concorda comigo, ótimo! Você é inteligente e somos aliados. Agora, se você ousar discordar de mim, ainda que de forma respeitosa e fundamentada, você é meu inimigo e não merece qualquer crédito e sinal de educação de minha parte.

Desde os primórdios da humanidade, a discordância sempre esteve presente no cotidiano da vida em sociedade. Em um grupo, seja ele de qual tamanho for, é muito, muito difícil haver consenso – talvez nem seja o ideal. Visões diferentes sobre um dado fato são salutares para o encontro da resposta mais adequada às questões que dele surgem. Essa é a lógica dos órgãos colegiados, como plenários nas cortes judiciais e no parlamento e as reuniões de conselhos de empresas: mais pessoas discutindo um tema, com diferentes formações, visões de mundo e experiências de vida, em busca dos melhores caminhos e soluções. Mas, nos últimos tempos, parece que a divergência se tornou palavrão.

Observamos nos grupos de amigos, profissionais e familiares, especialmente com o advento das redes sociais em nosso cotidiano, que a discordância, quase que automaticamente, torna-se o gatilho para discussões acaloradas sobre temas que, muitas das vezes, são irrelevantes. É quase um imperativo nos tempos atuais que tenhamos de opinar sobre tudo, e que uma opinião contrária à nossa corresponda, imediata e automaticamente, a uma afronta digna de duelo, para ver “quem está certo”.

Ora, conforme mencionado, a discordância respeitosa, embasada e colocada de forma honesta tende a enriquecer o debate, trazendo novos pontos de vista ao fórum de discussão e abrindo os olhos dos demais integrantes do grupo para detalhes que poderiam passar despercebidos caso a divergência não fosse explicitada. Nesse sentido, a existência da discordância favorece o grupo, afinal, as consequências dos atos e decisões dali emanados tendem a afetar a todos, inclusive aos envolvidos no debate direto. Se a discussão é enriquecida com pontos divergentes e diferentes vieses, é de se supor que a resposta final do colegiado ao fato posto será, também, mais sólida e eficaz para enfrentamento das questões ali discutidas.

Mas o que, então, estaria causando a redução da nossa capacidade de discordar de forma harmoniosa? Há quem defenda que as redes sociais deram espaço à “discordância pela discordância”, isto é, deu ensejo a que as pessoas possam discordar sem qualquer fundamento lógico, às vezes com elevado grau de frustração e mediante a utilização de termos e palavras de baixo calão, quando protegidas pela distância de duas telas. Outros argumentam que a vida em sociedade está ficando cada vez mais caótica e estressante, de forma que a mera discordância seja sinal de uma sociedade menos tolerante com o outro e àquilo que é diferente do que eu penso. Não há, contudo, uma resposta exata para o porquê do nosso aparente menor grau de tolerância ao diferente.

Nesse contexto, é importante que tenhamos sempre em mente que a diversidade de pensamentos, gêneros, formações, idades, origens e experiências de vida tendem a enriquecer o debate e a obtenção de uma melhor resposta aos desafios diários da vida. Assim, a discordância não deve ser evitada, mas sim fomentada, desde que dela surjam as melhores e mais eficientes respostas aos desafios pessoais, corporativos e sociais aos quais estamos expostos diuturnamente.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e consultor. Contato: [email protected]).

Publicado na edição 10.759, sábado a terça-feira, 27 a 30 de maio de 2023