O artigo 225 da Constituição da República, se fosse cumprido, garantiria boa qualidade de vida para os brasileiros de hoje e de amanhã. Mas somos pródigos em produzir belas normas e em ostentar condutas miseráveis.
Não faltaram avisos de que a mudança climática estava em curso acelerado e que, depois de décadas de advertências científicas, agora iríamos ouvir a natureza. Continuamos surdos a seus recados. É surreal como a humanidade é insensível, egoísta e burra.
Todos sabemos que as alterações do clima derivam de excessiva emissão dos gases causadores do efeito-estufa. Mas continuamos a incentivar a compra e o uso de carros. Continuamos a acreditar que petróleo tem de continuar a abastecer as frotas e que a transição energética é um discurso estéril.
Quando às queimadas – também criminosas – adiciona-se temperatura elevada, o bom senso mandaria reduzir o uso do automóvel. Por que não se intensificar o rodízio, de dificultar a formação dessa massa nociva de veículos transitando devagar e emitindo veneno pelo escapamento? Mas ninguém tem coragem de decretar isso. Valeria a proibição de se lavar calçadas como acontece na capital e em todas as cidades. À ignorância dos que trabalham na limpeza dos condomínios, acrescenta-se a omissão dos síndicos e dos moradores, que querem suas residências impecáveis.
Incentivar-se-ia o trabalho remoto, a suspensão de aulas, o incentivo a que não haja grandes concentrações. Não. Prefere-se deixar que cada um se cuide. A proposta de uma intensificação nos alertas à população foi levada ao Gabinete de Crise da Prefeitura de São Paulo. A Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas fez suas sugestões e o acolhimento delas auxiliará a cidadania a suportar mais essa crise grave.
Enquanto isso, beba-se muita água, tenha-se vasilhas com água dentro de casa, ensopem-se toalhas para umidificar o ambiente. E reze para que venha chuva, nada obstante a falta dela constituir uma resposta à nossa insensatez e nossa insanidade. Sim, é preciso estar enfermo para não enxergar que tudo é causado por nossa omissão ou cumplicidade ao lado dos dendroclastas, dos insensíveis, dos detratores da natureza.
São Paulo em chamas
Sexta-feira, treze. Não era agosto, mas setembro. E o Estado de São Paulo com incêndios em inúmeras cidades.
Oito helicópteros e quatro aviões usados para auxiliar os casos mais críticos. Queimadas em Bananal, Bebedouro, Bom Jesus dos Perdões, Brotas, Caconde, Campinas, Campo Limpo Paulista, Campos do Jordão, Itapecerica da Serra, Itápolis, Ituverava, Jundiaí, Mairiporã, Mococa, Morro Agudo, Pontal, Pedregulho, São Carlos, São José do Barreiro e São Luís do Paraitinga.
Em Carapicuiba, o fogo chegou à quadra da Escola Estadual Maria Alice Crissiúma e as aulas foram interrompidas. Idêntica à situação das Escolas Municipais “Gente Miúda” e “Stela Maris”. O fogo interrompeu os trabalhos da Associação Santa Terezinha, que atua com crianças, adolescentes e idosos de Carapicuiba.
Em São Carlos, fogo em grandes proporções atingiu um aterro sanitário, outro foco na rodovia Engenheiro Thales de Lorena Peixoto Júnior e ameaçavam o Aeroporto Mário Pereira Lopes, que sedia o centro da manutenção da Latam.
Grande incêndio devorava a Serra do Mursa, entre Jundiaí, Várzea Paulista e Campo Limpo Paulista. Na capital, incêndios provocados em alguns parques municipais.
Será que existem essas criaturas satânicas, suficientemente cruéis para atearem fogo à vegetação que secou por falta de chuva e por falta de vergonha de todos?
Sim. Todos. Fôssemos conscientes da gravidade das emergências climáticas, pouparíamos água e energia. Plantaríamos mais árvores. Protegeríamos as árvores que desaparecem de nossas cidades e que nos deixam à mercê das temperaturas elevadas. Exigiríamos do agrotroglodita maior responsabilidade e não apenas ações contra a criação da autoridade climática, boicote à política ambiental de Marina Silva e disseminação do negacionismo. São Paulo em chamas é algo natural. Cíclico. Não devemos nos preocupar, dizem eles. Entreguemo-nos à falta de sorte, porque, a continuarmos assim, nos despediremos da aventura existencial bem antes do que prevíramos.
Onde foi parar o juízo de gente que é paga para tê-lo e sabê-lo usar?
(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).
Publicado na edição 10.884, quarta, quinta e sexta-feira, 30 e 31 de outubro e 1º de novembro de 2024 – Ano 100