Ao tomar conhecimento de uma experiência levada a efeito numa escola de periferia em Manaus, lembrei-me de um evento realizado há alguns anos. O TRF da 1ª Região, competente para a região, realizou um congresso para magistrados federais se interessarem pela realidade amazônica.
Além das palestras, houve o turismo: assistir ao encontro das águas entre o Negro e o Solimões. Era o último dia da programação. Um dos participantes esvaziou sua garrafa pet e, simplesmente, a atirou ao rio.
Indignei-me: de que valeram aqueles dias de imersão ético-ambiental? Se alguém qualificado, remunerado pelo povo, não se aproveitara da conscientização e se portava como alienado na questão ecológica, a situação era muito mais grave do que se pensava.
Recordei-me disso ao saber que alunos da Escola Municipal Waldir Garcia tomam conhecimento da situação de penúria dos igarapés, todos imundos com o atestado da ignorância humana. Garrafas pet, lixo, móveis, carcaças, tudo arremessado àqueles cursos d’água que vão desaguar no Rio Negro.
Essa escola de ensino integral é um sucesso em virtude de sua diretora. Algo que também comprovei ao visitar muitas das mais de cinco mil escolas públicas estaduais. Uma diretora consciente e bem-intencionada faz toda a diferença. É a proposta da diretora Lúcia Cristina Santos, que deixa a burocracia de lado e acolhe crianças com deficiência e imigrantes do Haiti, Venezuela e República Dominicana. Não tem importância a falta de documentos delas. Sua mensagem é heroica e deveria inspirar os governantes: “Primeiro colocamos a criança na escola, depois vem a burocracia”. Essa mestra de elevada consciência ética tem noção da verdade que acontece ali em Manaus e se repete em quase todo o Brasil: se não agir assim, as crianças serão recrutadas pelo tráfico ou ficarão nos semáforos, mendigando.
Há professores assim, o que salva parte da educação estatal, defasada e mais empenhada em avaliações que revertam em bônus do que enfrentar o que é essencial: desenvolver as aptidões socioemocionais das crianças. Se elas merecerem carinho e atenção, descobrirão o amor pelo conhecimento e ninguém mais as segurará. Invistamos na formação de professores éticos, cônscios de sua responsabilidade. A indigência ético-ambiental, infelizmente, consolida a vergonhosa posição de “Pária ecológico”, título pelo qual o mundo civilizado designa o Brasil de hoje.
(Colaboração de José Renato Nalini, Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022).
Publicado na edição 10.706, de sábado a sexta-feira, 8 a 14 de outubro de 2022.