Maior tributação das terras deve recair sobre o agronegócio brasileiro

José Mário Neves David

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A Receita Federal do Brasil (“RFB”) publicou em março deste ano a Instrução Normativa nº 1.877 (“IN 1.877”), que estabelece novos critérios para a definição do Valor da Terra Nua (“VTN”) em propriedades rurais. O VTN, que pode ser alterado anualmente conforme a oscilação do valor de mercado das terras, serve como base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (“ITR”), de incidência anual, e do Imposto sobre a Renda (“IR”) devido sobre o ganho de capital apurado na alienação de imóveis rurais adquiridos a partir de 1º de janeiro de 1997.
Até a publicação da IN 1.877, a definição do VTN, realizada anualmente até o último dia útil de julho por Municípios e pelo Distrito Federal, levava em conta as transações realizadas, as ofertas de compra e venda e as opiniões de players do agronegócio para determinação do preço das terras em uma dada região. Com a nova regulamentação publicada em março último, a RFB, responsável pela administração do IR e do ITR, estabeleceu que os Municípios e o Distrito Federal deverão, até o último dia útil de abril de cada ano, informar o VTN local com base em levantamento realizado por profissional técnico devidamente habilitado, vinculado ao Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (“CONFEA”) e aos Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (“CREA”). Esse levantamento deverá considerar três critérios principais: a localização do imóvel campestre, a dimensão das terras e a aptidão agrícola da propriedade rural, o que significa que quanto maior for a capacidade de exploração da propriedade, maior tende a ser o valor médio do VTN informado pelo Município ou pelo Distrito Federal. Em síntese, o critério anterior levava em conta elementos mais subjetivos para definição do VTN, ao passo que o método recém estabelecido, que produzirá efeitos já em 2019, considera critérios mais realistas, objetivos e determinados por profissional técnico, que responde pessoalmente por sua avaliação. Mas o que muda na prática?
A utilização de critérios quantitativos mais objetivos e a obrigatoriedade da produção de um laudo técnico assinado por profissional devidamente habilitado, seja ele contratado pelas prefeituras ou pelo governo do Distrito Federal para este fim ou já integrante dos quadros da Administração Pública (em ambas as situações, diretamente responsável pelas informações prestadas), tenderá a refletir um valor de mercado das terras mais próximo da realidade do momento, o que causará efeitos imediatos sobre a tributação pelo ITR e o IR sobre o ganho de capital, na hipótese de alienação de propriedade rural adquirida nos últimos 22 anos. Por vias oblíquas, isto é, pela imposição de um método com menor subjetividade para definição do VTN, o fisco federal poderá obter uma majoração indireta da tributação e o incremento da arrecadação à União, na medida em que o VTN, a base de cálculo do ITR e do IR sobre o ganho de capital sobre bens rurais adquiridos a partir de 1º de janeiro de 1997, tende a ser aumentado, majorando a tributação incidente sobre o agronegócio brasileiro.
Vale destacar que o ITR é um imposto de competência exclusiva da União, mas que, por força de delegação constitucional, pode ser fiscalizado e cobrado pelos Municípios e pelo Distrito Federal, que podem ficar com parcela ou, até, a totalidade do montante arrecadado. Nesse sentido, um aumento do ITR beneficiaria não apenas a arrecadação federal como, por consequência, as municipais e a distrital. Por outro lado, em relação às propriedades rurais adquiridas a partir de 1º de janeiro de 1997, eventual ganho de capital na venda de referidas propriedades será definido conforme a subtração do VTN do ano de aquisição do VTN do ano de venda (a diferença positiva entre tais valores será tributada pelo IR), de modo que um VTN majorado no ano de alienação, já com base nos critérios da IN 1.877, comparado com um VTN do ano de aquisição que tende a ser substancialmente inferior (calculado com base em critérios mais subjetivos), pode elevar a base tributável, cuja arrecadação pelo IR será integralmente destinada à União (os Municípios e o Distrito Federal recebem, via repasses, percentual dessa receita).
Nesse sentido, o aumento do VTN, que tende a ocorrer com as regras de cálculo vigentes a partir de 2019, deverá resultar em aumento da arrecadação da União, dos Municípios e do Distrito Federal, elevando a já substancial carga tributária suportada pelos produtores rurais, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.
Nesse sentido, vale a atenção dos produtores rurais em relação ao ITR que será apurado e devido neste e nos próximos anos, bem como quanto ao IR sobre eventual ganho de capital a recolher quando da alienação de propriedades rurais adquiridas a partir de 1º de janeiro de 1997, hipóteses em que a tributação será calculada já com base na regras de apuração do VTN determinadas pela IN 1.877, pois, caso seja substancialmente aumentado o valor dos referidos impostos, poderá tal majoração ser questionada judicialmente, tanto em relação à vedação constitucional aos Municípios e ao Distrito Federal para determinar a base de cálculo de tributos de competência exclusiva da União, como quanto ao aumento de impostos sem lei prévia que o estabeleça, ferindo não apenas o princípio constitucional da legalidade como, também, os da anterioridade e, eventualmente, da capacidade contributiva.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado em São Paulo-SP. [email protected]).

Publicado na edição de nº 10410, de 17, 18 e 19 de julho de 2019.