Trinta por cento da população brasileira, ou cerca de sessenta e dois milhões de seres humanos, vivem abaixo da linha da pobreza. Desses, dezoito milhões estão na miséria. O que significa um percentual de oito e meio de nacionais em condições de uma existência indigna.
Mais de oitenta milhões estão inadimplentes, ou seja, potenciais candidatos a engrossarem a legião dos desamparados pela sorte.
Diante desse quadro lamentável, é de causar estupefação que as discussões nacionais se restrinjam a aspectos insignificantes da coexistência e não foquem o que é essencial.
Uma Constituição que Ulisses Guimarães chamou “Cidadã”, é instrumento hábil a fazer com que todos os humanos tenham o direito a ter direitos, na clássica observação de Hannah Arendt.
Reduzir essa condição iníqua não é caridade, não é filantropia, mas é responsabilidade comum ao Estado e à sociedade. Até por interesse econômico. A inclusão da faixa excluída representará acréscimo substancial do PIB tupiniquim.
Todos os brasileiros que não perderam residual estoque de consciência precisariam se empenhar nesse combate à desigualdade. Ele começa com uma educação de qualidade e esta não é apenas a escola convencional. Aprender por autodidatismo é uma vocação natural de quem não se conforma com os números desta nação imensa, tão provida de potencialidades, mas carente de ética. A ciência do comportamento moral do homem que vive em sociedade.
Não é impossível reverter essa nefasta tendência de se caminhar sempre para trás, de se antever a piora da situação, o crescimento do que é ruim e perverso. Basta assumir o compromisso de, no limite de sua capacidade, fazer algo que redima um semelhante dessa condenação ao ostracismo social. Alfabetizar um analfabeto, aprimorar a condição intelectual de um desprovido de conhecimento capaz de mudar o seu destino. Incentivar o empreendedorismo, despertar cada semelhante para o caos que se avizinha se não houver sólido investimento em consciência ambiental.
O Brasil dispõe de inúmeros talentos. Somados, formam potencial transformador apto a realizar milagres. Não subestime a força de pessoas de boa vontade, se estiverem de fato interessadas em vivenciar o grau civilizatório que reside nos discursos e que tão longe se encontra da cruel realidade. Muito juízo, gente boa! O Brasil tem jeito, se você de fato se convencer disso.
Por falar em desgraça
Seria tão bom poder falar apenas de coisas boas. Acreditar que o Brasil já não quer ser “Pária Ambiental”, que o discurso da boiada foi coisa do passado, que reassumimos nossa vocação de promissora potência verde, capaz de salvar a humanidade em sua caminhada rumo ao caos.
Infelizmente, não é o que sugere o noticiário. Depois do dia mais quente já registrado no planeta, dia 3 de julho, o mundo bateu novo recorde de calor extremo pelo segundo dia consecutivo, ou seja, 4 de julho de 2023.
Isso provém das mudanças climáticas provocadas pela ação humana em conjugação com o “El Niño”, o fenômeno que de quando em quando aquece as águas do Oceano Pacífico.
Pode-se dizer: o Brasil não é banhado pelo Pacífico. Por que se preocupar? Porque o Brasil é um dos países mais vulneráveis do planeta. Está nos trópicos, onde o calor já é maior. A natureza o recompensara com a Amazônia, a última grande floresta tropical do mundo. Mas a ignorância, que rima com ganância, fez com que essa cobertura vegetal fosse reduzida em sua capacidade de absorver gás carbônico, a ponto de ser ela hoje mais emissora do que sugadora do veneno que matará a humanidade e todas as demais espécies de vida.
Mais diretamente associada à nossa incapacidade de administrar a gravíssima crise climática está a poluição que todos provocamos. Nossas ruas estão testemunhando a nossa irresponsabilidade. Descartamos tudo. Não reciclamos quase nada, a não ser aquilo que resulta da coleta feita por verdadeiros heróis. Que trabalham com reciclagem por necessidade, mais do que devido à consciência ecológica.
Não sabemos respeitar nossa água doce, fonte e razão de vida. Nossos grandes rios se transformaram em coletores mortos de fezes e de substâncias venenosas, expelidas por indústrias sem alma, além de repositório de tudo o que não nos interessa mais: carcaças de automóveis depenados, móveis velhos, geladeiras que não funcionam, tudo o que é prova da imundície e da insensibilidade da única espécie que se auto considera racional. E aí? Dá vontade de falar em coisas boas? O que estamos fazendo para salvar o planeta e a humanidade? Algo de concreto, não mero discurso, estéril e inútil?
(Colaboração de José Renato Nalini, Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras).
Publicado na edição 10.776, sábado a terça-feira, 29 a 31 de julho e 1º de agosto de 2023