

Não foi à toa que esse longa metragem já é reconhecido no exterior. Mal Nosso chegou agora no Brasil, sendo lançado na sala de cinema de algumas capitais brasileiras em 14 de março, inicialmente em 20 salas de cinemas do país. Foi este o grande erro do Brasil, mais um aliás, a desvalorização. Foi necessário o filho (do país) sair de casa, fazer sucesso, ganhar reconhecimento, para finalmente, ser acolhido. E que acolhimento. Dentre as capitais nas quais o filme estreou, um detalhe chama atenção, no interior de São Paulo, em Ribeirão Preto, apenas um cinema, de tantos outros, colocou o filme em cartaz.
Esse detalhe não é uma coincidência. Mal Nosso foi produzido, escrito e encenado por profissionais desta cidade e, por isso, merece total reconhecimento de seus conterrâneos. A trajetória, até todo o sucesso fora do Brasil e agora dentro de casa foi longa, conta o produtor Tato Siansi, em entrevista ao Crítica em Foco: “A ideia surgiu há cinco anos, quando optamos por fazer algo diferente do que estava acontecendo no mercado audiovisual brasileiro”.
Siansi disse, durante a entrevista, que uma das maiores dificuldades da produção do longa foi a falta de incentivo e credibilidade, “já que toda a equipe e atores nunca tinha produzido nenhum longa metragem”. Apesar disso, o reconhecimento dentro de casa chegou: “O lançamento nos surpreendeu, inclusive em Ribeirão Preto. Logo na primeira sessão os ingressos se esgotaram, o que forçou o cinema a abrir mais sessões, em outros horários e exibir diariamente. Recebemos análises e pontos de vista que nem nós imaginávamos”, conta o produtor.
A ‘prisão’ desde a primeira cena
O que os roteiristas e diretores mais se preocupam e precisam fazer quando estão na produção de audiovisual é pensar em como prender a atenção do público, logo no início do filme. Mal Nosso faz isso com maestria e melhor ainda, com ousadia. Os primeiros momentos do filme são recheados de cenas enigmáticas explorando o psicológico, sem nenhuma fala, ou seja, apenas ações de um único personagem, Arthur (Augusto Esteves), que se mostra angustiado, na frente de um computador, no meio da madrugada, navegando em canais da deep web, tendo acesso a conteúdos aterrorizantes.
Após essa passagem, o público vê que o protagonista da história marca encontro com um assassino de aluguel, encomendando, obviamente, uma morte. Daí por diante, a história começa a se desenrolar de forma angustiante, o que faz o telespectador ficar cada vez mais vidrado no que está se passando na tela do cinema, sendo apresentados a cenas tão extremas que a vontade em desvendar as amarras criadas na narrativa só aumenta.
A apresentação do vilão
Ainda no início, o vilão vivido por Ricardo Casella é apresentado de forma explícita em cenas apavorantes, mas com a boa narrativa da história, é completamente ‘justificável’, ao fim, o motivo de tanta maldade, no começo. A apresentação do vilão se dá de forma com que o público entenda as amarras do roteiro e a construção da narrativa até o clímax, apresentado no meio da história.
Fotografia, direção, câmeras e atuação
O baixo orçamento é notório, mas isso não atrapalha o desenvolvimento em absolutamente nada. A fotografia é usada brilhantemente, os jogos de luzes nos momentos mais sombrios do filme passam sensação angustiante a quem assiste. Até mesmo no começo, quando Arthur está mexendo no computador, o fato do ator optar pelas luzes refletindo metade do seu rosto, deixam o telespectador aguçado, querendo saber qual a intenção daquele personagem.
A direção entrosa bem a fotografia, as marcações de cenas, os planos de câmeras e a sonoplastia, tudo perfeitamente encaixado e casando com os figurinos e a maquiagem, essa, por conta de Rodrigo Aragão. Outro detalhe ousado para este longa produzido pelos estreantes do interior paulista foi a edição não linear, ou seja, ela começa no presente, mas se explica no passado, voltando algumas vezes ao presente e finalizando, novamente, nos tempos atuais. Esse tipo de edição é ousada e precisa ser bem explorada para não confundir e nem deixar o filme parecendo um dois em um. Mal Nosso agrega mais esse ponto positivo ao seu currículo.
Com direção e roteiro de Samuel Galli, produção de Tato Siansi, Victor Molin e Samuel Gali e produzido pela Kauzare Filmes, Mal Nosso tem classificação indicativa para maiores de 16 anos e é distribuído pela OS Play, tendo 1h23 minutos de duração. O filme ribeirão-pretano merece ser visto por todos, por quem ama audiovisual, por quem ama cinema, por quem ama curtir um cineminha e, principalmente, por quem ama valorizar o que é de casa. Por mais que terror não seja o seu gênero favorito, o reconhecimento precisa falar mais alto, está na hora do brasileiro perceber que santo de casa faz milagre, sim.
Onde assistir?
O filme permanece em cartaz no cinema do Shopping Santa Úrsula, em Ribeirão Preto, com sessões às 20h e às 22h15.
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Publicado na edição 10380, de 30 e 31 de março e 1º de abril de 2019.