Margeando a ficcção

Wagner Zaparoli

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A idéia de substituir o homem por máquinas em tarefas insalubres me leva a um conto chamado “Tratores Vermelhos”. Infelizmente perdi a referência bibliográfica, mas recordo-me que esse conto tratava da entrada dos tratores no campo em substituição à mão de obra campestre para o benefício de alguns (os donos do capital) e a perdição de outros (os trabalhadores).

Ainda hoje se discute muito se a tecnologia é um “bem” ou um “mal” necessário, já que o rótulo para o seu desenvolvimento sempre foi o de fornecer melhorias na vida das pessoas. Em contrapartida, verificamos alguns deslizes na evolução capitalista da tecnologia com conseqüências negativas para a manutenção da sustentabilidade do planeta ou mesmo para o emprego dos trabalhadores.

Dos tratores para os robôs, do campo para a cidade, o contexto desenvolvimentista continua o mesmo: muitas fábricas automotivas, ao implantarem robôs em sua linha de produção, aumentaram substancialmente a capacidade produtiva, bem como a qualidade dos produtos. O custo disso foi apenas o de mais um número nas agendas financeiras das companhias; já aos milhares de desempregados restou somente a esperança de um dia recuperarem o seu ganha-pão.

A aurora dos robôs

A história nos conta que o termo robô surgiu primeiro pelas vistas ficcionais do teatro e depois pelas veias tecnológicas da indústria. Em 1920 o dramaturgo tcheco Karel Capec escreveu uma peça em que havia um robô com forma humana capaz de executar tarefas simples e repetitivas em lugar do homem. A própria palavra “robô” tem origem na língua tcheca; deriva da palavra “robota” que significa trabalho, ou mais especificamente, trabalho escravo. Já a criação do primeiro robô é atribuída ao pesquisador inglês Grey Walter, que desenvolveu uma tartaruga robótica e relatou o seu feito na revista Scientific American.

Como a história e os historiadores às vezes nos pregam peças, podemos imaginar que o robô-humano de Capec ou o robô-tartaruga de Walter podem não ter sido os primeiros. Mas é fato que no século XX os robôs ganharam vida aos olhos humanos, bem artificial e limitada, mas que mexeu muito com o seu mundinho de conforto.

Humanos e robôs

A ficção científica praticamente sempre esteve além da tecnologia aplicada. E tem lógica, pois primeiro o homem sonha, depois pensa e só aí ele constrói a coisa de seu sonho. Essa veia ficcional muitas vezes exacerba os limites da realidade introduzindo o homem num mundo verdadeiramente surrealista, por exemplo, um mundo dominado por robôs.

Isaac Asimov foi o primeiro a enunciar leis para que os robôs pudessem conviver com os humanos pacificamente. São elas: (1) um robô nunca deve atacar a um ser humano, nem omitir socorro a um ser humano em perigo; (2) um robô deve sempre obedecer às ordens dadas pelos seres humanos (a não ser que esta lei entre em conflito com a primeira); e (3) um robô nunca deve se autodestruir e destruir a um dos seus (a não ser que esta lei entre em conflito com as duas primeiras).

Esse medo do criador diante da criatura não é novo. Se recordarmos os grandes romances como “Frankenstein” de Mary Shelley ou “A ilha do Dr. Moreau” de H.G. Wells, como também os filmes “Blade Runner” de Ridley Scott e “2001, uma odisséia no espaço” de Stanley Kubrik, veremos a temeridade do homem diante da revolta de criaturas concebidas por ele.

Mas, até que ponto podemos confiar o nosso medo à ficção científica? Afinal, não é mera ficção?

Sem vontade própria

Apesar de parte da complexa capacidade do cérebro humano já ter sido alcançada pelo desenvolvimento tecnológico – exemplo foi a derrota do campeão mundial de xadrez Kasparov para o supercomputador Deep Blue em 1997 – não existe nenhum sinal de que nos próximos 20 ou 30 anos o homem será capaz de criar um robô que se revolte contra ele. É o que diz Rodney Brooks, do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT (Massachusetts Institute of Technology) nos Estados Unidos. Nesse tempo de 20 ou 30 anos grande parte dos robôs que serão construídos não terá vontade própria, afirma o pesquisador. E um outro ponto definitivamente fará a diferença: os robôs dificilmente terão emoções.

Sem emoções, sem vontade própria e sem senso comum, os robôs do futuro provavelmente não passarão de máquinas sofisticadas. Restará então à ficção para manter a continuidade da história.

A título de curiosidade, atualmente o mundo comporta cerca de 2,7 milhões de robôs em operação de acordo com a Federação Internacional de Robótica. A China lidera o número de instalações, seguida pelo Japão e Coreia do Sul. O Brasil, líder na América do Sul, contribui com cerca de 15,3 mil unidades. E para quem quer ter um pouco mais de informação sobre o impacto da introdução dos robôs na sociedade, não pode deixar de ler o artigo do professor Paulo Feldmann (https://jornal.usp.br/artigos/era-dos-robos-esta-chegando-e-vai-eliminar-milhoes-de-empregos/).

(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

Publicado na edição 10.615, de 6 a 8 de outubro de 2021.