Final feliz? - Se depender de Mariana Sousa Nunes, Judite, sua personagem em ‘Todas as Flores’, terá um final bonito: “Enchi muito o saco do diretor”.

Na quarta-feira (24), o Globoplay disponibiliza três, dos cinco capítulos finais de ‘Todas as Flores’. Desde outubro no ar e com pausa de quatro meses entre a primeira e a segunda parte, a primeira novela original Globoplay chega ao fim. O esquema do bloco final será assim: Três capítulos na noite de quarta, o penúltimo será exibido ao vivo, em live, dentro da plataforma, em 30 de maio e o último capítulo em 1º de junho, também ao vivo, em live.

Como parte do encerramento deste sucesso, ‘Crítica em Foco’ conversou com a atriz Mariana Sousa Nunes, a Judite, que falou sobre o convite para dar vida à dona do meme “Tem dedo da Zoé nisso”, a preparação com o elenco e o que ela espera do final de sua personagem.

Critica em Foco – Como a Judite chegou para você?

Mariana Sousa Nunes – Veio diretamente da produtora de elenco, Dani Pereira que fez a produção de Todas as Flores. Ela me chamou para fazer um teste, contou que a personagem viveria um triângulo com Humberto e Zoé, papéis de Fábio Assunção e Regina Casé e eu sabia que teríamos um passado em comum, pois os três vieram de um mesmo lugar, a Gamboa. No entanto, como se trata de novela, de uma obra aberta, eu não sabia até onde iriam os personagens nem a história. Mas, fiz o teste, deu certo e me convidaram para fazer a Judite.

CEF – Como se preparou para este personagem? O que tem de Mariana na Judite e o que você trouxe de fora?

Mariana – Na verdade, não sei precisar o que é meu. No processo de preparação, chegamos sem bagagem porque é o começo. Tivemos dois preparadores, Carnevalli e Moira Braga. Moira, inclusive, atua na novela, faz a Fafá. Fizemos muitas leituras, trabalhamos, principalmente, em cima das relações dos personagens. Muitas vezes achamos que o ator constrói tudo em casa, se prepara… Isto até pode acontecer, mas costumo dizer que não é seguro, pois não adianta chegar com coisa pronta e isto não ter mobilidade quando se contracena com outro ator, pois a cena só se dá a partir da relação.

Com Caio, apesar de não termos tanta diferença de idade, conseguimos construir, na relação do corpo, esta hierarquia de mãe e filho e, a partir desta descoberta, conseguimos entender onde esta hierarquia também se quebra.

Mesma coisa aconteceu entre eu e Fábio [Assunção, intérprete de Humberto], pois eles têm uma relação de amor impossível. A preparação veio a partir dos encontros com os atores e, num segundo momento, conversamos bastante com pessoas que são conhecedoras da causa PCD, que estavam lá em diversas funções, seja como assistente de direção, atriz e preparadora e muito mais. Essa novela teve este cuidado grande com o texto, com o que se falava, com o que era capacitismo, porque a intenção do texto era dos personagem serem capacitistas, como acontece com Vanessa e Zoé, papéis da Leticia Colin e Regina Casé que são, muitas vezes, capacitistas.

Então, precisávamos entender o que era isto de propósito e onde era o nosso próprio capacitismo. A preparação foi contínua ao longo das filmagens.

Por exemplo, a Judite, acho que é capacitista em muitos momentos e acho interessante isto aparecer como reflexão. Ela não faz por maldade, por implicância ou sadismo, como aparece nas falas da Vanessa. Judite traz este capacitismo na insistência sobre o que é certo para Maira fazer e, nestes casos, ela acaba menosprezando e passando por cima da autonomia da Maíra.

CEFComo foi a expectativa para estrear um produto que iria unicamente para streaming?

Mariana – Para mim, pessoalmente, não é novidade. Venho do cinema e, por isto, acho normal esta sensação de gravar um trabalho e saber que ele não vai para o ar naquela mesma hora. Então, neste caso, já cheguei com esta bagagem. Mas, enquanto recebíamos os capítulos, íamos gravando e isto caracteriza uma obra aberta. Mas, as pessoas não veem deste jeito. Por ser uma novela, estávamos no escuro, sem saber aonde ia dar. Novela, linguagem totalmente brasileira e popular, é uma das coisas que sabemos fazer e consumir melhor. Então, nos questionamos sobre como esta velha linguagem se adaptaria a uma nova plataforma.

No caso de ‘Todas as Flores’, no começo, tínhamos uma incógnita. Depois, quando estreou, foi um tremendo sucesso, muito surpreendente e até hoje é impressionante ver como uma obra deste gênero, sem ser exibida na televisão aberta, pode ter alcance tão grande.

CEF – Tem autores que não gostam dos ‘cacos’ em cena, dos improvisos… Como foi isto em ‘Todas as Flores’? Vocês seguiam à risca o texto do João Emanuel ou havia esta liberdade do improviso?

Mariana – Na primeira leitura que fizemos em que participei com João Emanuel, ele disse que não tinha apego às palavras. Ele mesmo falou, que só não podíamos mudar a ideia do que ele escreveu.

Então, com isto, nós como atores e direção, pudemos adaptar muita coisa,  mexer no texto, às vezes para determinada cena, fazer de outra maneira para ficar melhor. São muitos diretores, tem dias que trabalhamos com dois ou três e, claro, tem a assinatura de cada um, são artistas diferentes. Então, muitas vezes, para aquela ideia que o diretor está dando, seja de coreografia, de ação, às vezes simplesmente inverter-se uma frase, a ordem de dizer, ou trocar uma palavra que já foi dita, sem mexer na intenção da cena, e que ficaria melhor.

CEF – A Judite tem algumas falas que se tornaram bordões, “A Maíra e o Rafael se amam”; “Tem dedo da Zoé nisso”… Como foi se construindo isto, era algo do texto ou teve interferência sua?

Mariana – A intenção do João, nunca conversei com ele sobre isto, diretamente. Mas isto de fato vinha escrito, esta repetição de vezes em que a personagem fala sobre o amor de Maíra e Rafael. Por isto, falei do capacitismo dela, ela é quase uma missionária. Sempre nesta missão de falar para a Maira fazer a coisa certa. Mas, é a opinião da Judite, ela é muito enfática. Pode até ser o certo, mas é o certo para ela.

Vejo Judite como uma mulher que abandonou a própria vida, o próprio tesão. Apesar de ser bonita, acho que a vaidade dela está adormecida, o que é uma realidade de muitas mães solo, com responsabilidade de criar filhos, sozinhas, rola esta confusão… Ela cobra do Pablo uma coisa que ela identifica no Humberto, a falta de caráter, por exemplo, e ela não teve essa mudança dele para viver com ela, então ela espelha isto no filho.

CEF – Houve a pausa entre a primeira e a segunda parte. Para quem assiste novela diariamente, ‘Todas as Flores’ inovou no streaming e inovou dividindo a trama em duas fases. Quando voltou, vocês já tinham terminado as gravações, vocês se envolveram em outros projetos? Como ficou a relação com o público?

Mariana – Acabamos em dezembro, então já sabíamos o fim. Algumas coisas não têm como mudar, é a linha vertebral da história e nós já sabemos. Mas tem algumas cenas de final que não sei como vão ficar na montagem.

Não me assusto com a repercussão só agora, porque eu também estou vivendo a novela, quando chega quinta-feira, eu assisto. Eu não vi a novela, eu só fiz. Ela tá muito fresca para mim, apesar das filmagens já terem acabado.

Depois disto, já fiz uma série, agora estou fazendo outras coisas, mas a trama está muito presente.

CEF – E o final da Judite?

Mariana – Sempre quis muito que ela terminasse feliz. Enchi muito o saco do diretor. Gravamos uma cena que acho muito bonita dela, que era meu desejo que ela cuidasse da própria vida. Vamos ver como vai ficar na edição.

CEF – Você acha que tem futuro a novela migrar para o streaming?

Mariana – Acredito que sim. Já veio esta primeira novela, funcionou, então não tem porque deixar de tentar.

Acredito que cada vez mais, teremos mais novelas exclusivas nestas novas plataformas. Acho mais interessante poder escolher a hora que você vai ver.

Não acho que a televisão aberta vá acabar. Sempre terá uma novela no ar, ao vivo, como estamos habituados, mas no streaming sempre vai ter novelas, daqui pra frente, aposto nisto.

CEF – Na sua carreira, você acumula trabalhos no teatro, cinema e televisão. A sua curiosidade maior é na televisão ou não?

Mariana – Veja bem, comecei no teatro, faço desde os 14 anos. Sou de Brasilia, me formei em Artes Cênicas e vim para o Rio de Janeiro onde fiz oficina de atores na Globo. Em seguida, fiz ‘Mulheres Apaixonadas’, que vai reprisar no ‘Vale a Pena Ver de Novo’. Depois, fiz muitas participações e também muito cinema no Brasil e fora do país também.

Entre cinema e teatro, não sei dizer qual fiz mais. No Rio, fiz algumas peças, ano passado estreei ‘Amor e outras Revoluções’, texto da Tati Villela, minha namorada. Estamos em cena, as duas nesta história e, em outubro, voltamos com a peça em cartaz pelo Rio de Janeiro.

Então, fiz primeiro TV e, depois, mais cinema, mas tenho bastante curiosidade pela televisão, por ter feito menos e ser um grande mistério para mim. Sei que ainda tenho muito para aprender neste meio.

CEF – O que vem pela frente? Quais são seus projetos e onde o público vai poder ver a Mariana Sousa Nunes atuando?

Mariana – Na HBO Max, tem a série ‘Um Dia Qualquer’, a primeira temporada e finalizei as gravações da segunda. Também no segundo semestre deve estrear, na Amazon, a série ‘Amar é para os Fortes’, com temática interessante e que vale muito a pena assistir.

Na produção da HBO, faço Penha. É uma série que se passa em um único dia, em 24h. Na primeira temporada, a personagem tem flashback, o passado dela como dona de boca e perde espaço pra milícia. Para ela se manter em segurança, larga a vida do crime e torna-se evangélica, mas ela perde um filho pra milícia e aí passa um dia inteiro tentando descobrir o que aconteceu com ele, claro que ela já tem intuição, já sabe que a milícia fez isto.

Na segunda temporada, como ela já perdeu o filho, volta para o tráfico e se torna a chefe da comunidade. Ela é a Imperatriz e a milícia quer retomar o poder, esta é a tensão da série.

Já a produção da Amazon, aborda temática interessante que, apesar de ser bastante falada, tem um viés bom. No dia das mães, um jovem policial negro mata, “por engano”, uma crianças achando ser traficante. São dois lados da mesma história. Família deste policial preto que matou uma criança e a família desta criança que morreu… e o desenrolar destas duas mães em lados diferentes da mesma historia.

Publicado na edição 10.758, quarta, quinta e sexta-feira, 24, 25 e 26 de maio de 2023