O heliocentrismo iluminando a humanidade

Wagner Zaparoli

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1604

Sigmund Freud dizia que no decurso do tempo a humanidade teve de aguentar, das mãos da ciência, duas grandes ofensas a seu ingênuo amor-próprio. A primeira foi quando percebeu que a terra não era o centro do universo, mas apenas um pontinho num sistema de magnitude dificilmente compreensível. A segunda quando a pesquisa biológica roubou-lhe o privilégio de ter sido criado especialmente, e o relegou a um mero descendente do mundo animal.
Séculos antes do nascimento de Freud o astrônomo polonês Nicolau Copérnico fazia história contribuindo com a primeira das ofensas mencionadas, ao publicar o livro “As Revoluções dos Orbes Celestes”, enfraquecendo sensivelmente as pilastras de sustentação da teoria geocêntrica, que elegia a Terra como centro do Universo. Essa teoria foi difundida pelo astrônomo grego Ptolomeu e coadjuvada pela igreja católica durante dezenas de anos.
Embora Copérnico não tenha sofrido qualquer penalização pelo desafio lançado (lembrem-se que naquela época os heréticos eram lançados nas fogueiras da fé para serem purificados e qualquer heliocentrista era considerado um herético), sua obra foi fonte para o astrônomo e matemático Galileu Galilei reviver a então teoria e estabelecer as bases da ciência moderna.
Galileu não teve a mesma sorte de Copérnico, pois além de causar a inclusão de seu livro no Índex – lista de livros proibidos pela Igreja Católica – foi condenado pelo Santo Ofício e passou o resto de seus anos de vida em prisão domiciliar. Por outro lado, explicitou de modo veemente e definitivo a perda da força do sistema geocêntrico, demonstrando que o seu fim estava próximo, como se comprovou anos mais tarde.
Embora o heliocentrismo tenha se consolidado de forma sustentável pelas realizações de Copérnico e Galileu, o fato é que ele foi edificado por vários matemáticos e astrônomos ao longo de séculos. Sua história, a bem da verdade, iniciou-se muito tempo antes de Cristo, provavelmente pelas mãos dos pitagóricos. Aristarco de Samos certamente é um dos personagens importantes que conseguiu dar ao heliocentrismo uma definição cientificamente aceitável, antes mesmo de Ptolomeu intervir de forma equivocada no caminho e na razão da ciência.

Definições precoces
Pitágoras e Heráclites diziam que as estrelas eram imóveis, que a Terra estaria localizada no centro do universo e que Mercúrio e Vênus girariam em torno do Sol. Aristarco foi adiante e disse que todos os corpos celestes e seus movimentos seriam mais facilmente entendidos se girassem em torno do Sol, o qual estaria situado no centro do Universo. Surgiam então as raízes do heliocentrismo.
Aristarco, nascido na ilha de Samos em 310 a.C., foi discípulo de Estrato de Lampsaco, chefe da escola peripatética fundada por Aristóteles. Ainda jovem publicou um livro em que dizia ser o Sol 19 vezes maior que a Lua e 19 vezes mais distante (na verdade, o Sol é 400 vezes maior e mais distante do que a Lua). Como os seus cálculos eram consistentes, o fez concluir que o Sol, muito maior, não poderia girar em torno da Terra, muito menor, mas sim exatamente o contrário, a Terra menor é que deveria girar em torno do Sol.
Aristarco propôs também que o tamanho do Universo excedia em muito o tamanho da órbita da Terra em torno do Sol. Infelizmente os seus escritos foram perdidos no tempo e só conhecemos essa parte da história por um trabalho de Arquimedes, o geômetra, publicado por volta de 212 a.C., no qual cita Aristarco e suas medidas de grandeza.
O mundo relutou por séculos a ouvir Aristarco. Preferiu submeter-se a uma teoria de um Universo mais limitado, no qual situava a Terra – imóvel – como o centro de tudo. Foram séculos de atraso para a ciência e para a humanidade, resgatados somente pelas explícitas intervenções de Galileu por volta de 1600 e, posteriormente, pelo avanço da ciência e da tecnologia, as quais literalmente iluminaram o caminho do homem na busca por novas fronteiras da ciência.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

Publicado na edição nº 10435, de 12 a 15 de outubro de 2019.