O mundo sob nossos pés

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Ora, em nosso país”, disse Alice, ainda um pouco sem fôlego, “geralmente a gente chega a outro lugar quando a gente corre rápido durante muito tempo, como estamos fazendo.”
“País lento, esse!”, disse a rainha. “Aqui é preciso que se corra o máximo possível para ficar no mesmo lugar. Se quiser ir para outro lugar, tem de correr pelo menos duas vezes mais rápido!”. (Lewis Carroll, Alice através do espelho)
Lewis Carroll foi um brilhante professor de matemática em Oxford – Inglaterra, que enveredou pelos caminhos da literatura nos premiando, entre outros, com dois livros icônicos que fazem sucesso até hoje, principalmente para o público infanto-juvenil. “Alice no país das maravilhas”, de 1865, e “Alice através do espelho”, de 1872, retratam as histórias da menina Alice em um país fantástico, completamente diferente daquele mundo real em que ela vivia.
O final do século 18 e mais intensamente no transcorrer do século 19, época em que viveu Carroll, a revolução industrial tomou conta do mundo como um tsunami que adentra a uma ilha desprotegida sem pedir licença, causando impactos de proporções impensadas.
O mundo bucólico puxado pela carroça de passos estreitos começava a dar lugar para o mundo tecnológico fluido pelas primeiras máquinas a vapor que rugiam por todos os lados transportando o primitivo progresso da humanidade. Morria ali a era da agricultura; nascia ali a era da tecnologia, da cultura em massa e do capitalismo.
Estimulados pelo eminente progresso, a população rural iniciou um êxodo para os grandes centros urbanos sem precedentes. As grandes fábricas, ligadas vinte e quatro horas por dia a base de carvão mineral, cuspiam produções massivas que alimentavam a alma da população de maneira avassaladora. O tempo já não era mais medido em meses ou anos, mas sim, em instantes. E a cada um surgiam novas máquinas, novos produtos, novos gostos e novas modas. O mundo mudava rápido.

Acelerando para não parar

Essa caixa de pandora tecnológica nunca mais se fechou. Analogamente ao que acontece à velocidade de expansão do Universo, a velocidade das mudanças e das inovações se intensificou vertiginosamente com a introdução dos computadores eletrônicos em meados no século 20. As informações se multiplicaram aos milhares em um tempo excepcionalmente menor. A disponibilidade de bens de consumo tomou conta das casas, facilitando a vida moderna. Novas fórmulas e novos remédios aumentaram a perspectiva de vida do homem e em pouco tempo ele já desafiava as leis da natureza para conquistar o espaço sideral.
Ao início do século 21, embora não tenhamos parado para fazer balanço, já sentimos as conseqüências das sementes das revoluções industrial e tecnológica plantadas ao longo dos anos. No mundo corporativo, a busca incessante por metas e lucros no curto prazo carrega as pessoas por caminhos estressantes com pouca chance de criatividade e reflexão. No mundo pessoal, a busca pela felicidade continua a ser um desafio e uma esperança.
O interessante da história é que em apenas dois séculos conseguimos transformar o nosso mundo real no mundo da Rainha Vermelha de Carroll, o qual se tem que continuar correndo para sempre ficar no mesmo lugar.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).

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Publicado na edição n° 9519, dos dias 7 e 8 de março de 2013.